Futebol carioca: 1,3 bilhão de motivos para mudar

Neste século, ainda não houve título carioca no Campeonato Brasileiro. Classificação para a Taça Libertadores pela competição nacional, apenas a do Flamengo em 2007. Este ano, o Vasco disputa a Série B e o Fluminense aparece em situação dramática na A. Botafogo e Flamengo se arrastam no campeonato. As três equipes do Rio chegaram ao returno, que começou na quarta-feira, sem chances de levantar o troféu. Uma das respostas para o fiasco do estado na competição nacional está nos números das administrações dos clubes.

Segundo estudo da empresa Casual Auditores Independentes, Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo apresentaram, juntos, no balanço de 2008, uma assustadora dívida acumulada de R$ 1,3 bilhão. Esse valor corresponde a 39% das dívidas totais dos 21 clubes de maior receita no Brasil analisados pela empresa. No mesmo ano, os quatro cariocas somaram um déficit de R$ 333,6 milhões.

Para Marco Militelli, especialista em administração pela FEA-USP, a situação é dramática:

– Se estivéssemos falando de uma empresa, ela já teria quebrado. Não há fórmula mágica. É o básico: estudar possibilidades de incremento de receita e buscar diminuição nas despesas – explicou.

Em meio a tantos números negativamente notáveis, chama a atenção o déficit vascaíno do ano passado, que atingiu os R$ 276,8 milhões. Para se ter uma ideia, o dos outros três clubes do Rio, somados, alcança R$ 56,8 milhões. As dívidas vascaínas comparam-se à dimensão da colina histórica, vizinha a São Januário. Totalizam R$ 377,8 milhões e o clube já lidera o ranking de dívidas do futebol carioca.

– Se você for analisar, verá que é algo impagável. Se não for feito nada, a dívida só tende a aumentar – afirma Marcos Morita, professor de administração pela FEA-USP. – Vemos, na Europa, clubes tratados como empresas. Do contrário, como é feito aqui, realmente não há transparência, não há visão de longo prazo e não se traçam objetivos. O clube-empresa operaria, invariavelmente, em torno da geração de lucro. Aqui no Brasil, quem está mais próximo disso é o São Paulo, que já contabilizou três títulos brasileiros nos últimos três campeonatos disputados.

O quadro de receitas não alivia a situação. Apesar de uma evolução de 30% dos quatro cariocas de 2007 para 2008, os números apontam para gastos excessivos, já que todos fecharam o ano passado no vermelho. O Fluminense, por exemplo, apresentou uma receita de R$ 66,4 milhões e fechou o ano com déficit de R$ 43,2 milhões. Presume-se, portanto, que os gastos atingiram valores bastante altos. No caso dos outros três, a lógica é a mesma.

Dívidas trabalhistas

Comparando com os padrões de grandes clubes europeus, o Real Madrid, por exemplo, arrecadou na temporada 2007/08 cerca de 365,8 milhões de euros (aproximadamente R$ 1 bilhão), segundo Amir Somoggi, da Casual Auditores. Só no dia da apresentação do astro Cristiano Ronaldo, no mês passado, a loja oficial do Real Madrid registrou a venda de 3 mil camisas com o nome do craque. Com cada uma vendida a 85 euros, foram, num dia, 255 mil euros a mais nos cofres do clube (cerca de R$ 700 mil). Isso arrecadado só em um único dia.

Além dos salários altos, as dívidas trabalhistas também assolam os balancetes no Rio. Segundo dados levantados em maio de 2008 pela revista Consultor Jurídico, Botafogo, Fluminense e Flamengo lideram o ranking de processos trabalhistas. O alvinegro somava 723; o tricolor, 662; e o rubro-negro. 534 processos. A pesquisa não levou em conta clubes dos estados de Rio Grande do Sul e Paraná, já que os tribunais trabalhistas das respectivas regiões não divulgaram nomes de empregados e empregadores.

Em abril, a renda da final da Taça Rio, entre Flamengo e Botafogo, foi penhorada exatamente para o pagamento de dívidas trabalhistas. A própria presença do sérvio Petkovic no atual elenco do Flamengo faz parte do pagamento do montante de dinheiro que o clube deve ao jogador. A dívida, com a contratação, caiu de R$ 18 milhões para R$ 8 milhões.

Fla não tem nem 7 mil sócios

Há pouco mais de três meses, o Vasco lançou o projeto O Vasco é meu. A diretoria do clube pretende alcançar o número de 100 mil sócios para tentar sanar o caos financeiro. Hoje, o número de sócios, segundo números fornecidos pelo Clube dos 13, é estimado em 18 mil, até expressivo para padrões brasileiros, mas irrisório se a comparação for com a Europa.

O exemplo seguido pela diretoria vascaína vem do sul. Internacional e Grêmio vencem com dobradinha no quesito número de sócios. O Colorado, que obteve êxito com o programa 100 anos – 100 mil sócios, já conta com 100,7 mil, enquanto o Grêmio acumula 53 mil. Nas 10 primeiras posições, dos times do Rio, só o Vasco se faz presente, em sétimo. Flamengo, curiosamente o clube de maior torcida do país, não aparece no levantamento.

– Há um potencial mal aproveitado nesse caso, isso fica muito claro. Imagino que o torcedor do Flamengo ficaria satisfeito de ajudar o clube a sair da lama se houvesse uma mobilização, um projeto nesse sentido – afirmou Marco Militelli.

Para Marcos Morita, o planejamento poderia se estruturar em quatro pilares: torcida, estádio, marca e transmissões de jogos.

– Vemos clubes trabalhando com cartões de fidelidade, pacotes de ingresso para jogo e até com parcerias de agência de viagem para levar seu torcedor para todos os lugares. Imagina quanta torcida não tem o Flamengo. Se a marca for bem explorada, é uma mina. Lançamento de novos produtos, novas lojas, tudo isso seria válido – sugeriu o administrador.

Se tudo o que os especialistas propõem fosse feito, o Brasileiro não seria tão triste para a torcida carioca.