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Clube dos 13: Globo x Record, racha e a falta de educação de Eurico

O Clube dos Treze e os direitos de transmissão da TV

A disputa pelo poder político e a perspectiva de renegociar os direitos televisivos provocam um racha no Clube dos Treze

Não é novidade que a Rede Globo, por meio do pagamento de 300 milhões de reais anuais pela retransmissão do Campeonato Brasileiro, é a principal fonte de renda dos clubes. Tal situação sempre foi costurada por uma cadeia complexa de parceria, dependência, empréstimos e dívidas. Muito passa pela atuação do presidente do C-13, Fábio Koff, que, ao lado do vice, Mustafá Contursi, ex-dirigente do Palmeiras, por anos intermediou os contratos com a emissora. Críticos consideram que os dois deixaram de defender os interesses que cabiam. Seja como for, o fato é que os clubes brasileiros continuam inteiramente dependentes da televisão.

Eis que o surgimento de uma concorrente disposta a pagar até mais que o dobro aos clubes, a Rede Record, está forçando os poderosos do futebol a discutir a relação. Em jogo, o contrato para a retransmissão do Brasileiro de 2009, 2010 e 2011. Uma quantia que pode passar de meio bilhão de reais.

Como comparativo, ainda que distante, do que isso poderia significar está o campeonato inglês. A Premier League é uma das mais rentáveis do mundo. Os clubes recebem igualmente e cada um tem liberdade para negociar as placas de publicidade dos estádios. A consultoria internacional Deloitte apontou, em um relatório, que a receita da temporada 2007/2008 superaria 1,75 bilhão de libras, sendo 300 milhões de libras (ou cerca de 1,2 bilhão de reais) receita de direitos televisivos para os clubes.

A perspectiva inédita de renegociar o Campeonato Brasileiro tem sido um gatilho para que se discutam os velhos vícios do futebol nacional. Ou que se tente. Os encontros que antecederam a reunião do dia 16 dizem muito sobre o que é o futebol brasileiro, nas mãos de quem está, e quais as chances de algo mudar.

O L’Hotel é “todo decorado em estilo clássico, onde espaço, conforto e requinte unem-se ao bom gosto em cada detalhe”, diz o website. Perto da avenida Paulista, abrigou o encontro, dia 17 de setembro, que culminaria na insurgência na última reunião. Mas o tema era outro. Os jornais publicaram que Koff (ex-presidente do Grêmio) pretendia antecipar as eleições do C-13. A antecipação não poderia acontecer sem que se alterasse o estatuto da entidade, desatualizado em relação ao novo Código Civil. Presentes, representantes do São Paulo, Flamengo, Palmeiras, Botafogo e Coritiba. “Ali, decidimos chamar o Koff para trabalharmos juntos na mudança no estatuto”, resume um dos presentes.

Dias depois, um segundo encontro, desta vez nas dependências do São Paulo Futebol Clube, no Morumbi, com a presença de Koff, vai do horário do almoço até o fim da tarde. A defasagem do estatuto do C-13 é a discussão formal. Na prática, busca-se fortalecer a entidade politicamente para as negociações com a televisão. Koff, com uma diretoria composta de cartolas sob suspeita, como Eurico Miranda e Mustafá Contursi, quer recompor o grupo.

Mas outro item está em pauta. Trata do poder dentro do C-13. A entidade foi concebida, há 20 anos, para ser o primeiro passo na formação de uma Liga Profissional no Brasil e prometia marcar uma ruptura com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Nunca avançou nesse sentido. “Nesse tempo todo o Clube dos Treze só se amesquinhou, só se diminuiu”, escancara Márcio Braga, presidente do Flamengo. Não é de hoje que o time carioca participa de insurgências dentro do C-13. Sendo o clube de maior torcida no País (por volta de 16% dos brasileiros, segundo diferentes institutos de pesquisa), é também o que mais reclama da divisão dos lucros gerados pelo futebol. E do poder.

Na esteira da adequação do estatuto ao Código Civil, o grupo que dialogava com Koff pleiteava a criação de um conselho administrativo, formado por oito integrantes, eleitos entre os 20 clubes, e que teria poder deliberativo. O conselho teria um presidente e, na prática, diluiria o poder das decisões, hoje muito concentrado nas mãos de Koff. O presidente do C-13 pediu 72 horas para pensar.

Quatro dias depois ocorre outro encontro. No mesmo local, a sede do São Paulo. Koff vem acompanhado do aliado Fernando Carvalho, ex-presidente do Internacional e representante do clube no C-13. Dirigentes do Guarani, Santos e Goiás, como fizera o do Coritiba, participariam desses encontros sem, no entanto, aderir ao núcleo duro, que, a esta altura, consistia, além do São Paulo, Palmeiras, Flamengo, Botafogo, Atlético Mineiro e Cruzeiro.

“O que vocês querem é um parlamentarismo”, reclama Carvalho. É rebatido: “Não é isso. Toda empresa que se preze tem um conselho administrativo e um presidente assalariado”.

À parte a dificuldade de discernir entre sistemas de governo e modelos de gestão, a falta de consenso faz os presentes combinarem redigir um novo estatuto a oito mãos: as de Koff, Fernando Carvalho, Márcio Braga e Juvenal Juvêncio (presidente do São Paulo).

Nos primeiros dias de outubro, logo depois da conversa sobre “parlamentarismo”, o núcleo duro é surpreendido por uma proposta, pronta, de estatuto. A partir daí, tornam-se definitivamente rebeldes. Nos três dias seguintes, sempre com almoço no Morumbi e discussão pela tarde, redigem outro texto. “Fizemos um substitutivo integral, pois o que havia era incorrigível”, diz Braga.

Na sexta-feira 5 de outubro, o grupo recebe Andrés Sanchez, então candidato à presidência do Corinthians. Ele mostra simpatia às idéias e insinua que votará com o grupo na reunião sobre o novo estatuto. Quatro dias depois, é eleito presidente do Corinthians. Não faz mais contato.

Na semana que antecede a reunião do dia 16, os insurgentes perdem o voto do Palmeiras. A presidência do clube, até então representada pelo diretor de planejamento Luiz Gonzaga Belluzzo, decide votar com Koff. Com o gesto, o dirigente palmeirense Serafim Del Grande provavelmente ganhará um cargo de vice-presidente na nova diretoria. A eleição está para ser marcada e Koff é candidato único.

Na segunda-feira 15, um dia antes do entra-e-sai no Lexington, há uma derradeira reunião com os dirigentes não rebeldes. Às 19 horas, encontram-se no hotel Caesar Park, “localizado estrategicamente no coração no novo pólo de negócios da capital paulista”, para reafirmar o combinado. Votar com Koff. Ir contra a criação do conselho administrativo. Dito e feito.

Pela manhã, começam a chegar ao prédio do escritório comercial do C-13. Cada um que passa pela recepção deve dizer o nome e, se for a primeira vez, deve informar o número da identidade e tirar foto digital. Nem todos cumprem a regra. “O Eurico Miranda nunca me disse o RG”, diz um dos funcionários. “Se eu peço, ele me encara: ‘Não está me reconhecendo?’, e entra direto, é sempre assim.” Às 10h58, chega Eurico. Cumpre o script. Perto das 11 horas, os dirigentes de São Paulo, Flamengo, Botafogo e Atlético Mineiro estão no saguão do térreo. Conversam. Juvêncio fuma cachimbo, Braga fuma cigarro. Aguardam Zezé Perrela, do Cruzeiro. Subirão juntos, por volta de 11 e meia.

Sanchez, do Corinthians, chega às 11h36. Bate um papo rápido com Bebeto de Freitas, do Botafogo, antes de pegar o elevador. Às 11h53, apenas o presidente da Portuguesa, Manuel da Lupa, não subiu. “Deve estar perdido”, brinca um diretor do C-13. O retardatário aparece às 11h55.

A votação do balanço de 2006 é rápida. A partir daí, o clima, os olhares e a experiência na cartolagem dizem o óbvio: não há chance para a proposta de estatuto redigida pelos rebeldes. Diante da derrota iminente, eles decidem abandonar a reunião. Simplesmente debandar. E às 13h13 – horário de irônica numerologia – o Clube dos Treze racha.

Os cinco dirigentes voltam ao térreo. Um pouco apreensivos, mas sem arroubos. “Nós não somos dissidentes, não deixamos de ser sócios”, esclarece Perrela, “apenas percebemos que eles tinham negociado votos por cargos e, como voto vencido, abandonamos a reunião”. Apesar da derrota, não há mau humor. Luiz Ziza Valadares, do Atlético, tem de retornar a Belo Horizonte. Na calçada, Freitas propõe: “E aí? Vamos naquele restaurante fino?” O grupo caminha duas quadras até o Parigi, da família Fasano. Durante a refeição, redige nota oficial com o título “É preciso repensar o Clube dos Treze!”

Às 14h02, Mustafá Contursi telefona da Rússia para um diretor do C-13. Quer saber como andam as coisas. Após anos de parceria com Koff, Contursi está prestes a perder o cargo de vice no C-13. “Sim... Tudo certo... Já recomeçou a reunião”, informa o diretor.

Uma hora mais tarde, os dirigentes começam a deixar o edifício. Manuel da Lupa, da Portuguesa, sai satisfeito com a alteração no sistema de votação no C-13, pois todos os clubes, mesmo os não fundadores, passaram a ter peso igual. “Houve uma intolerância dos que abandonaram a reunião. Eles queriam que os outros clubes fossem coadjuvantes. Para mim, a fórmula aprovada é a melhor.”

Andrés Sanchez, do Corinthians, sai em seguida. Na calçada, explica o voto: “Tenho quatro dias de posse, tive de votar com a maioria. Até concordo com alguns pontos do outro grupo, mas não deu”.

No dia anterior, Sanchez esteve com Ricardo Teixeira, presidente da CBF, no Rio de Janeiro. Teixeira mantém estreitas relações com Koff. Com o Corinthians na zona de rebaixamento, e com a iminência da instalação de uma CPI no Congresso para apurar crimes como lavagem de dinheiro, é possível imaginar o tom da conversa entre Sanchez e Teixeira.

Mas o presidente do time com a segunda maior torcida do País (cerca de 12%) e uma forte influência no Ibope, estufa o peito e avisa: “Daqui por diante, no Corinthians tudo vai ser diferente. Eu não abro mão de negociar diretamente com a televisão. Pode vir quem quiser, mas eu vou negociar direto”.

Marcelo Portugal Gouvêa, ex-presidente do São Paulo participante de todas as reuniões, avalia a situação dos insurgentes: “O clima está aí. A partir de agora, nos momentos importantes, vamos nos reunir e decidir o que fazer. Nosso grupo está unido e tem as mesmas idéias”. Gouvêa evita ligar o racha às negociações com a televisão. “Não discutimos isso, mas a postura do São Paulo é fazer o melhor em termos de rentabilidade. Não temos nada contra a Globo, só teremos de analisar as condições financeiras”, diz.

Carvalho, do Inter, tem um discurso de certa forma parecido. “Saudamos a concorrência da Record, vai aumentar o valor repassado. Mas o direito de preferência da Globo é o que vai influenciar, é o mais importante. A Globo vai querer disputar”, defende o cartola.

É fim de tarde e o auditório do Clube dos Treze está quase vazio. Em um aparador, garrafas de refrigerante sem gás, sobras de esfihas e de bolo de cenoura. Koff está cercado de três ou quatro dirigentes. Trocam afagos. O presidente defende o estatuto aprovado e anuncia eleições para o dia 6 de novembro. Na presidência desde 1995, não seria bom revezar o poder? “Tenho minhas dúvidas. Nas vezes que revezei, no Grêmio, me dei mal. A experiência adquirida não pode ser desprezada”, defende. “Este é um ano importantíssimo, renovaremos a diretoria e começam as negociações com a tevê. A Record estará nas negociações. O Clube dos Treze cresceu muito em prestígio e vive um momento definidor”, acredita Koff.

É de fato um momento importante ou, no mínimo, diferente. Mesmo com a derrota do grupo que tentou criar o conselho administrativo, a disputa de poder entre os maiores clubes brasileiros, dentro ou fora do C-13, está deflagrada. Está cada vez mais certo que os clubes farão propostas diretamente para as tevês.

“O jogo atual é ruim para todos. Se não começar uma mudança radical, os clubes serão prejudicados. Comparando o que a Globo cobra pelo horário nobre com o que paga aos clubes, é uma ninharia”, diz Eduardo Rocha Azevedo, economista e conselheiro do Corinthians. “Não se pode ficar refém de uma única emissora. Os clubes têm de parar com isso de uma entidade negociar por todos. Só no Brasil é assim”, defende.

Responsável pela negociação com os clubes, o diretor-executivo da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto, não atendeu à reportagem. A Central Globo de Comunicação respondeu que “todas as propostas da TV Globo seguem premissas conhecidas: valores que correspondem ao tamanho do mercado, recursos de origem conhecida e garantia de visibilidade sem comparação com a concorrência”.

O presidente da Rede Record, Alexandre Raposo, concede entrevista. “Com esse modelo, em que uma emissora compra tudo e não transmite determinados jogos, os clubes não conseguem crescer. Hoje, só quatro ou cinco times ocupam todos os horários, isso não interessa para o futebol. É preciso flexibilidade”, pede.

O executivo é contra o direito de preferência na renovação de contrato exercido pela Globo: “O C-13 tem de acabar com isso”. Ainda assim, está disposto a entrar na concorrência na compra do pacote integral. “Informalmente, falamos em 500 milhões de reais”, diz Raposo.

A disputa pelo Brasileiro 2009 se desdobrará até o ano que vem. Ao tentar comprar os direitos dos campeonatos estaduais, a Record sentiu um pouco do que enfrentará. Em São Paulo e Minas Gerais, prevaleceu o direito de preferência da Globo. “No Carioca e no Gaúcho, nem sequer participamos da concorrência. Se não participamos, não foi uma concorrência saudável”, contesta Raposo, e comemora: “Compramos o Campeonato Baiano e o Catarinense. Os jogos da semana são às 20h30 e atraem recordes de público”.

Sobre o futuro, a Record tem posições claras. “Não temos interesse de negociar com a Globo, por ter um modelo leonino. Queremos negociar com o C-13 e com os clubes”, afirma Raposo. E o racha no C-13? “Pode significar algo positivo. De repente, é a hora da Record comprar uma parte do campeonato”, flerta.

Tudo exposto, não há mais retorno. A discussão é inescapável. Ainda que seja ingenuidade acreditar que uma revolução esteja para acontecer, o futebol está diante de uma boa chance de se reorganizar. O ministro do Esporte, Orlando Silva, concorda: “É preciso cuidar melhor do futebol nacional. Fortalecer a sua economia, proteger os clubes formadores, valorizar os atletas e ter uma gestão mais transparente e mais profissional”.

No novo cenário, os clubes que tiverem a gestão minimamente profissional poderão se sair melhor. Infelizmente, porém, essa não é a realidade da maioria, ainda aprisionada no amadorismo e nos velhos vícios que empobrecem o esporte no Brasil.

Fonte: Carta Capital
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