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Confira um depoimento histórico sobre a construção de São Januário

Em homenagem aos 80 anos do Estádio Vasco da Gama, comemorados no dia 21 de abril, a coluna Histórias da Colina traz, durante toda a semana, uma série de depoimentos, reportagens e fotos de São Januário. Para começar, temos o depoimento do vascaíno Paulo Roberto Rezende, neto de um dos torcedores que ajudaram a erguer um dos nossos maiores patrimônios.

SÃO JANUÁRIO: PARA OS QUE O CONSTUÍRAM COM AMOR, PARA OS QUE LUTAM PARA ESSE AMOR VOLTAR

Quando me pediram para escrever sobre os 80 anos da inauguração de São Januário, evidente que a primeira lembrança que veio à minha mente foi a de meu saudoso e querido avô Manoel Felipe de Rezende, que trazia nas veias o sangue de Braga , a “Capital do Minho”.
Nascido em 1892, vovô era mestre de obras dos bons, possuía e exibia com muito orgulho a carteira de “licenciado”, que lhe conferia o direito de projetar e construir pequenas estruturas por conta própria.
Trabalhou quase que a vida inteira com um engenheiro também de origem lusitana (Dr. Selseia) e orgulhava-se de duas obras em especial: grande parte da primeira expansão do Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista e da participação na construção do Estádio de São Januário.

Na obra que nos diz mais ao coração, participou da campanha para coleta de recursos entre a colônia portuguesa para a aquisição do imenso terreno onde seria construído nosso templo (diferente dos clubes ricos da aristocracia carioca, que tiveram seus estádios construídos em terrenos doados por prefeitura, governos, políticos etc).
A obra, tocada de maneira heróica pelos dirigentes vascaínos, foi entregue à grande construtora da época, a Christian Nielsen, que com a urgência no prazo para a conclusão do estádio que serviria de salvo conduto para nosso clube ser admitido no grupo dos grandes clubes do Rio de Janeiro, sub-empreitou alguns serviços a pequenos construtores.
Dr. Salseia foi requisitado e vovô Manoel disse presente! .

Além de trabalhar como pedreiro (abaixo, na hierarquia, de um mestre de obras) vovô com o ordenado que recebia do Dr. Selseia fazia questão de, espontaneamente, doar para o BASCO, como ele ensinou-me a chamar nosso clube, parte dos seus proventos.
Parece pouco, mas se olharmos que a doação vinha de um simples mestre de obras, trabalhando como pedreiro, morador do subúrbio, pai de nove filhos, é muito em relação a alguns estranhos vascaínos que hoje tiram e constroem patrimônios fabulosos com o dinheiro dos cofres vascaínos..

Eu poderia ter sido torcedor do América como meu pai (uma parte dos imigrantes da terrinha ao chegar ao Rio de Janeiro escolhia o clube vermelho relacionando-o com o Benfica, como a família inteira dos craques Edu e Antunes (exceção à figura mais notável e brilhante da família Antunes Coimbra: uma tia dos dois craques que em todos os jogos do Vasco estava presente com a camisa da Cruz de Mata).

Nos anos sessenta não era fácil um garoto tornar-se vascaíno: o clube chegou à impressionante marca de mais de quinze torneiros disputados sem ganhar um sequer, fruto de administrações equivocadas e conturbadas.

Mas tínhamos alguns motivos que nos enchia de orgulho: maior número de vitórias sobre o arqui-rival da Gávea; sempre um craque nas diversas seleções brasileiras; mesmo não ganhando títulos, era temido e respeitado: clubes de menor expressão, como o Bangu, a Portuguesa Paulista, o Atlético Mineiro, o Bahia etc. não conseguiam nos vencer que dirá tirar-nos de um torneio.

Resolvi seguir o coração de meu avô e com a conquista da Taça Guanabara de 1965 decretei, sem direito à revogação: serei Vascaíno a vida inteira, mesmo que me proíbam, mesmo que me expulsem de São Januário, mesmo que nossa gloriosa caravela torne-se um sombrio navio de corsários, piratas aventureiros.

A história propriamente dita sobre a epopéia da construção do Estádio de São Januário eu tomo a liberdade de reproduzir trecho da dissertação de mestrado defendida e aprovada no programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense pelo Mestre em Geografia, Professor Fernando da Costa Ferreira por achá-la um obra do mais alto valor histórico e gostaria de torná-la mais conhecida dos vascaínos de bom coração.

Além das restrições impostas à participação do Vasco da Gama no campeonato promovido pela AMEA em 1924, havia também um artigo no regulamento da associação que somente permitia a filiação de clubes que apresentassem estádios em condições para a prática do futebol e o esburacado campo utilizado pelo Vasco na Rua Morais e Silva apresentava-se em precário estado. Deu-se início então ao processo que culminou na construção de uma nova praça de esportes – a maior da América do Sul até então – para abrigar a equipe dos “camisas pretas”. Fruto dos esforços de grande parte da colônia portuguesa, foi erguido o Estádio Vasco da Gama, popularmente conhecido como Estádio de São Januário, como veremos a seguir.

A difícil aceitação do Vasco da Gama por parte dos clubes tradicionais fez com que influentes nomes da colônia portuguesa do Rio de Janeiro se unissem em torno de um ambicioso projeto. A construção do maior estádio da América do Sul, representou o seu ingresso no seleto grupo das grandes equipes do futebol carioca.

Muito mais que um desafio, vale ressaltar a força que a construção de um equipamento de tamanha dimensão representa tanto ao nível do simbólico quanto do concreto, criando uma territorialidade própria, um exemplo daquilo que Brunet chamara de “hauts lieux” (lugares memoráveis), fonte tanto de identidade coletiva quanto de atividades econômicas), reforçando o sentimento de pertencimento, palco de cristalização das representações coletivas, dos símbolos que se encarnam nesses lugares memoráveis.

O dinheiro arrecadado numa coleta realizada entre a numerosa colônia lusitana, foi utilizado na compra de uma imensa área de 65.445m², em São Cristóvão, pertencente aos Srs. Carlos Kuenerz e Margarida Kuenerz, no ano de 1925.

Na década de 1920, o bairro de São Cristóvão perdera definitivamente qualquer resquício do outrora bairro imperial, aristocrático, ou como afirma Strohaecker, “bairro elegante”, já que as famílias mais abastadas há muito tinham se mudado para outros pontos da cidade, como Botafogo, Flamengo e Laranjeiras. São Cristóvão assumira o papel de bairro industrial e proletário, passando a ser ocupado por uma população predominantemente de origem operária, com as antigas propriedades anteriormente pertencentes aos nobres e aos cidadãos mais abastados, sendo gradativamente substituídas por indústrias e pela população com menos recursos. A combinação entre a disponibilidade de grandes terrenos a preços acessíveis, nos “fundos” do bairro, com a facilidade de acesso proporcionada pelo transporte feito por bondes, somado à sua grande infra-estrutura, a nosso ver, parecem ter sido fatores determinantes para a escolha de São Cristóvão como sede para o imponente estádio do clube.

Poderíamos também apontar alguns fatores secundários responsáveis pela instalação do Estádio de São Januário em São Cristóvão, tais como: a relativa proximidade com o antigo campo da Rua Morais e Silva e com a zona portuária, parte da cidade onde o clube fora fundado; a existência de uma numerosa colônia portuguesa em São Cristóvão, composta tanto por moradores quanto por comerciantes e industriais; a identificação do bairro com Portugal, construída desde a chegada da Família Real, em 1º de janeiro de 1809 à Quinta da Boa Vista.

A compra do terreno foi apenas o primeiro passo, faltava agora iniciar as obras de construção do estádio. A pedra fundamental da obra foi lançada no dia 6 de junho de 1926, sendo contratada para tocar a obra a construtora Christiani & Nielsen, que pouco antes fora responsável pela construção do Jockey Club Brasileiro, na Gávea.

Surge então um novo problema que poderia ilustrar bem o sentimento antilusitanista ainda reinante na época: foi negado ao clube, por parte do presidente da República, Washington Luís, que se importasse cimento belga, mesmo sabendo que o país não dispunha de quantidade suficiente desse produto para uma obra de tamanha envergadura. A solução encontrada pela construtora foi a de misturar em cada pá de cimento, duas pás e meia de areia e três e meia de pedra britada. A quantidade de água utilizada foi reduzida ao mínimo necessário. A obra alcançou números impressionantes para a época: foram utilizados 6.600 barris de cimento e 252 toneladas de ferro.

Menos de onze meses depois, no dia 21 de abril de 1927, contando com a presença do presidente Washington Luis, o mesmo que dificultara a realização da obra, o Vasco da Gama inaugurava o Estádio Vasco da Gama, mais conhecido como Estádio de São Januário, com capacidade para 40.000 torcedores, com um amistoso entre a equipe da casa e o Santos Futebol Clube, com vitória dos visitantes pelo placar de 5 a 3.

Mais do que representar o seu ingresso no seleto grupo dos grandes clubes cariocas, a figura do estádio passou a constituir, a partir daí, a principal referência identitária e territorial do clube com os seus torcedores, pois, lembrando Claval, “os grupos só existem pelos territórios com os quais se identificam”. Além disso, apesar de ser um espaço privado, passou a ter seu uso apropriado pelo poder público, palco de manifestações de cunho populista e nacionalista especialmente durante o governo Getúlio Vargas, sobre o qual trataremos na próxima seção.

São Januário foi, desde a sua inauguração, em 1927, até 1942, quando ficou pronto o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, o maior estádio brasileiro, e, até 1950, com a conclusão das obras do Maracanã, por ocasião do IV Campeonato Mundial de Futebol, o maior estádio do Rio de Janeiro. Portanto, durante mais de vinte anos, o campo do Vasco da Gama constituiu-se no principal palco para as competições futebolísticas na capital federal, sediando inclusive, o Campeonato Sul-Americano de Futebol de 1949, vencido pelo escrete azul e branco.

O estádio, no entanto, não possuía função restrita somente à prática do futebol. Sua importância transcendia em muito à esfera esportiva, servindo como um dos grandes cenários da vida política e social do país. Suas dependências foram inúmeras vezes palco de manifestações cívicas. Não é de se espantar que tenha sido utilizado como palanque por diversos presidentes da República.

De todos eles, sem dúvida alguma, aquele que melhor soube aproveitar esse palanque foi Getúlio Vargas, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). A Tribuna de Honra do estádio testemunhou alguns de seus mais famosos discursos. A apropriação política deste espaço em muito teve a ver com o programa populista promovido por Vargas de se elevar o carnaval, o samba e o futebol à condição de símbolos de identidade nacional. Agostino destaca a exaltação por parte do poder central da presença de atletas negros na delegação brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1938, tratada como símbolo da democracia racial brasileira, algo inimaginável alguns anos antes. Para o autor, o futebol, de acordo com a propaganda estadonovista teria sido reinventado pelos nossos jogadores, tornando-se síntese da capacidade e originalidade brasileira. O sucesso do escrete de 1938 fez com que Getúlio Vargas percebesse o poder que o esporte desempenhava como uma das formas mais eficientes de contato com as massas, sendo então elevado à categoria de “patrimônio nacional”.

Costa afirma que a base ideológica do Estado Novo apoiava-se à semelhança do fascismo, em “identificar a todo custo o povo com a nação e esta com o ditador”. O uso e a apropriação de grandes espaços públicos com fins políticos a partir de grandes celebrações de exaltação do caráter cívico nacional foi outra característica do fascismo italiano copiada por Vargas. Sendo assim, fica fácil entender o porque da utilização do Estádio de São Januário por parte do governo em sua tentativa de construir a todo custo a imagem de um país moderno a partir da promoção da industrialização e de mudanças estruturais da sociedade.

Motta aponta as comemorações cívicas realizadas em São Januário como um dos três empreendimentos – os outros dois seriam a abertura da Avenida Presidente Vargas e a construção dos prédios dos Ministérios da Educação e Saúde, do Trabalho e da Fazenda – que objetivavam tornar a cidade do Rio de Janeiro o lugar de onde emanaria a centralização político-administrativa do Estado Novo, a partir do qual Vargas exerceria o seu poder pessoal. Segundo a autora, como forma de reafirmação da capitalidade do Rio de Janeiro, a cidade deveria “inscrever em seu tecido urbano a presença do Estado e os valores do nacionalismo conectado ao universal”. Dessa forma, a capital do Estado Novo teria a função de representar o espaço no qual a população manifestaria o seu apoio ao governo em cerimônias de caráter cívico.

Não por acaso, as duas maiores manifestações de civismo da época, as festas de 1º de maio – em homenagem ao Dia do Trabalho –, e de 7 de setembro – Dia da Independência – tinham, desde 1939, São Januário como local utilizado para tais comemorações. Numa dessas celebrações, no ano de 1940, o presidente Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo. Na comemoração de 1943, o mesmo Vargas assinou decreto promulgando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de grande valia para toda a classe trabalhadora brasileira. Tais atos projetaram ainda mais a figura de Vargas como o grande protetor da classe trabalhadora, vindo mesmo a receber o apelido de “pai dos pobres”.

Tamanha foi a importância adquirida ao longo dos anos pelo Estádio de São Januário, equipamento esportivo de grande valor, verdadeiro monumento no subúrbio, que, ao seu redor, surgiu em 1998, o bairro Vasco da Gama, um dos mais novos bairros da cidade do Rio de Janeiro. Pela primeira vez um clube passou a dar nome a um bairro e não o inverso como geralmente acontece, marcando assim um processo único na metrópole fluminense – e talvez no Brasil – de construção territorial.

O time de 1923, somado à construção do Estado de São Januário, contribuiu para que o Club de Regatas Vasco da Gama deixasse lentamente de ser um clube ligado exclusivamente à colônia portuguesa, passando por um processo de “abrasileiramento”, ganhando um caráter nacional, sendo possuidor de uma das maiores torcidas do país, apresentando significativos contingentes de torcedores em pontos tão díspares do nosso território como Santa Catarina, Tocantins e Amapá.

Além de, pouco a pouco, ter deixado de ser uma instituição ligada somente à comunidade portuguesa e luso-descendente – a pesar de ainda manter um forte vínculo com esse grupo – ao longo do tempo, o clube modificou também a sua identidade esportiva inicial, antes vinculada ao remo e, agora, ao futebol. Paralelamente, ao longo dos anos foi construída uma identidade própria, vascaína, representada tanto pelo plano do concreto – uniforme, bandeira, estádio – quanto do simbólico, vivenciada pelo sentimento do torcedor do clube em relação à instituição, que confere aos times de futebol o caráter de micro-nações. Afinal, para torcer por um clube não é preciso estar próximo a ele. A maior parte dos torcedores do Vasco da Gama jamais pôs os pés em São Januário. Entretanto, o que une os aficionados espalhados por todo o país – e por diversas partes do planeta – é a paixão pelo clube e por seus símbolos, criando para si uma identidade e uma territorialidade próprias a ele.

Quero dedicar esse trabalho a todos os netos e filhos de imigrantes Portugueses que dignificaram a luso-brasilidade, em especial ao pai da querida irmã Iracema Moreira Ribeiro, neta do Comendador Dionísio Moreira Ribeiro, nascido em Póvoa de Varzim e fundador da Casa dos Poveiros na Rua do Bispo, ao irmão Roberto Pacheco Leandro, filho do saudoso Gilberto Augusto Leandro, também nascido em Póvoa de Varzim, ao meu filho adotivo Ângelo Alexandre da Rocha Figueiredo, filho de Ângelo Gomes de Figueiredo, nascido em Carregal do Sal, Viseu e ao irmão Marcos Antônio Pereira, neto de Joaquim Barbosa Pereira nascido em Paredes de Coura e que ainda nos felicita com sua presença e as lembranças da terrinha querida.

PAULO ROBERTO SOARES DE REZENDE
SÓCIO N. 14901 – EXCLUÍDO DO QUADRO SOCIAL EM 16 DE AGOSTO DE 2003 POR QUERER UM VASCO COM MAIS AMOR, DEDICAÇÃO E HONESTIDADE DOS QUEM O DIRIGE.
 

Fonte: Assessoria de Imprensa do MUV
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