Abel Carlos da Silva Braga, ou Abel Braga, marcou seu nome na história do futebol brasileiro. O ex-zagueiro de Copa do Mundo assumiu a prancheta em 1985 e assim permaneceu até 2022 - foram quase 40 anos na carreira. Com uma bagagem tão grande no esporte, o treinador abriu o jogo em uma entrevista de mais de duas horas ao Área Técnica, quadro do ge.
O longo bate-papo com o ex-treinador foi recheado de histórias do seu período como jogador, técnico e dirigente. Com um currículo recheado com cerca de 30 títulos na carreira, Abel Braga sente falta de um troféu específico, que bateu na trave em dois anos consecutivos: a Copa do Brasil. Ele guarda uma mágoa por não ter conseguido faturar o caneco. Em 2004, foi vice pelo Flamengo para o Santo André. No ano seguinte, a medalha de prata veio ao perder para o Paulista com o Fluminense. Abelão relembrou com aperto aquelas derrotas.
- O Santo André era muito bem dirigido, estava com um coletivo forte, time bom. Mas, não era time superior ao Flamengo. Não deu nem cinco minutos, nós perdemos o Robson, aquele volante menino de 17 anos. E ele era fundamental ali. Depois, o Fluminense é uma coisa. Lá em Jundiaí, aquilo foi muito atípico porque também perdemos muitos gols. Perdemos o jogo. Perdemos alguns gols que podia liquidar. Aí, depois eu não tinha o Maracanã. Fomos para São Januário. Os caras fecharam bem e acabou 0 a 0. Mas aquilo ali foi tudo aprendizado, entendeu? O primeiro jogo em Jundiaí com o Fluminense era para ter ganho. O jogo em São Januário nós dominamos sem criar. Agora, o ano anterior com o Flamengo aqui no Maracanã, jogamos muito mal. Não nos deram nenhuma hipótese. Não estou dando desculpa porque eu estou falando que não merecemos nada. Jogamos muito mal, os caras foram melhor. Mas, a contusão do menino pesou muito.
Rumo à glória eterna em 2006
Após os vices de 2004 e 2005, Abel Braga viveu uma temporada gloriosa com o Internacional em 2006. O Colorado foi campeão da Libertadores e do Mundial de clubes naquele ano ao superar o Barcelona de Ronaldinho Gaúcho na decisão. Autor do gol do título mundial, Adriano Gabiru quase não foi convocado para o torneio. O técnico bancou a ida do atleta, que era pouco utilizado nos jogos. Gabiru provou o seu valor e foi decisivo.
Na preparação para o duelo contra o Barcelona, a comissão técnica descobriu dois pontos para tentar anular o jogo envolvente dos espanhóis. O primeiro foi analisar os gols sofridos pela equipe campeã da Liga dos Campeões para buscar explorar os pontos fracos do time. O segundo foi anular Thiago Motta em campo, responsável pela saída de bola do Barcelona.
- Nós queríamos mostrar onde eles sofreram os gols e não mostramos nenhum vídeo que eles ganharam. Mostramos três que eles perderam. Porque é a hora que eu ia puxar no vestiário. Depois que eu incendiei, o Fernandão incendiou. Se vai ter medo de jogar, nem entra. Fica aqui. Olha aqui esse gol, sempre no mesmo lugar. Descobrimos um detalhe. Aí, foi o Roberto (Moreno, observador do Inter). Todas as bolas que saem da defesa do Barcelona passam no Thiago Motta. Ali começava tudo. Ele ficava ali no meio dos dois zagueiros e distribuía o jogo. Falei: Fernandão, esse jogo vamos deixar o Iarley e o Pato solto. Sem bola, eu não quero que tu roube bola do Thiago Motta. Só quero que fique perto dele para ele não receber - destacou Abel.
História com a Máfia em Marselha
Abel Braga recordou uma história quando assumiu o comando do Olympique de Marselha, em 2000, e passou por uma experiência inusitada na França. Quando chegou à cidade de Marselha, o motorista do clube o levou para visitar casas para decidir onde morar, mas em municípios do entorno. Por quê? Porque quem trabalhava na cidade tinha o costume de não morar em Marselha pelos perigos por causa da torcida e da máfia local.
Dito isso, o cartão de visitas na cidade foi uma experiência inesperada com a máfia logo em sua chegada. Uma cortesia bancada com um jantar pago em um restaurante, indicado pelo então capitão do time Patrick Blondeau.
- Depois do jogo, pedi ao capitão do time: "Patrick, eu quero jantar." Já era tarde, era 21h. Aí, ele falou: vai num assim e assim. Fui. Cheguei lá, não tinha placa nenhuma, vi gente dentro. Aí, fiquei com a minha mulher esperando. Eu e ela só. O garçom veio e abriu. Pedi um vinho, comemos uma carne. Tranquilo, sem pressa. “L'addition, s’il vous plait” (a conta, por favor). Pode ir embora. Tá pago. O pessoal ali pagou. Aí passei, né? Boa noite. Muito obrigado pela gentileza, fui embora. No dia seguinte, no treino, o Patrick, capitão: "e o jantar?" Eu falei: aconteceu isso. "Não, eu sei. Tava bom?" Só pedi uma carne. "Não pagou, né?" Falei: não, pagaram. Falou: "eu sei, meus amigos da máfia". Cara, tu não diz.
A experiência durou pouco na França, mas Abel Braga relembra com humor como foi comandar um time onde a máfia e a torcida estavam conectadas naquela época (assista ao vídeo abaixo).
Seleção ideal
Na sua carreira de muitas décadas como treinador, Abel Braga comandou centenas de jogadores. O ge convidou o ex-técnico a montar a sua seleção ideal, com os 11 melhores atletas por posição entre seus comandados. Confira como ficou o time abaixo:
Bate-pronto
No quadro, o convidado dá respostas curtas e rápidas sobre tópicos da carreira no futebol. Abel Braga elegeu Fernandão como maior líder de vestiário que comandou e colocou o título do Mundial em 2006 como o mais importante. Joel Santana era o treinador mais temido nos embates de Abel. A torcida do Corinthians foi escolhida como a pior de enfrentar. Veja tudo abaixo:
Íntegra da entrevista
Como era um dia típico de trabalho seu. Como era a sua rotina? Com quem você conversava? Quais departamentos você tinha que abordar antes de cada treino, de cada jogo? Como que era isso no dia a dia?
- É complexo. É complexo porque todo mundo reclama de excesso de jogo. Para mim, tem diferença treinador para o técnico. Treinador para mim treina. O técnico engloba muita coisa. O mais importante quando você reclama que não tem tempo, você tem que se apegar a detalhes. Hoje, todo clube tem uma série de departamentos. Ele te dá ferramentas. Para quem não vai ter tempo mostrando durante três, quatro dias – que seria o ideal para a equipe – essas ferramentas são fundamentais. Então, hoje você tem que estar inserido num contexto porque não existe. Para mim, nunca existiu. Ah, esse cara aqui joga 4-2-3-1, 3-5-2. Meu time então joga só 4-3-3. Eu sempre de dois caras abertos, aquela coisa toda. Mas, isso muda.
- Então, pra você dizer é assim. Não existe. Hoje, você vai ter que voltar aqui por dentro porque eles vão ter essa prioridade por dentro no meio-campo para ter jogador a mais, aquela coisa toda. Se você não tiver inserido toda essa ferramenta que você tem em mãos e a principal delas – são várias coisas importantes, mas para o técnico a mais importante é o pessoal do scout. Porque a maneira que você cobra deles. Eu quero isso. Põe esse time atacando. Vai resumir aquilo ali em cinco minutos. Uma vez defendendo, ele vai inserir aquilo em mais cinco. São 10. Me dá bola parada ofensiva. Ele resume aqueles 90 minutos em um.
Como jogador e treinador, você atravessou muitos momentos diferentes no futebol. A tecnologia, a quantidade de informações disponíveis foi se aprofundando de uma maneira absurda. Então, chega um momento da carreira, que um departamento de análise, de scout, de análise de desempenho, ele é capaz de te fornecer uma quantidade infinita. Há um ponto em que informação demais atrapalha? O que você queria receber? Como que era essa combinação?
- Comigo, o estilo de trabalho foi sempre assim. Primeiro, tinha que ter uma afinidade com desempenho, análise, aquela coisa. Nunca era feito sobre um jogo. Era feito sobre três jogos.
Do adversário?
- Do adversário. Sempre.
Os três últimos?
- Os três últimos, os quatro últimos. Depois, eles tinham que me dar aquele time atacando, aquele time defendendo. Se tivesse algum tipo de mudança. Você tem que levar o seu plano B. Se você tem aquilo tudo em mãos, você não tem como hoje. Você jogou hoje, amanhã tu chega no clube. Beleza, nem olho. O cara nem vai pro campo. O cara fica ali no vestiário, fazendo fisioterapia. No dia seguinte, vai chegar no campo. Tira Manoel porque senão vai estourar. Caramba, cara. No outro dia, depois do jogo, eu estava subindo São Januário com os caras na minha costas. Eu estou operado aqui com 10 parafusos no ciático. Hoje, você tem tudo isso. Eu tenho que estar afinado contigo. Eu tenho que saber exatamente o que eu quero – já conversei contigo quando eu cheguei no clube ou quando você chegou. É assim que eu gosto. Eu não gosto desse tipo de passar informação demais porque não vai rolar.
O jogador consegue absorver informação?
- Consegue.
Mas tem um limite?
- Qualquer um tem um limite. Você acabou de colocar na pergunta se eu, com o tanto de informação, vou me perder. Eu não vou conseguir passar para os meus jogadores aquele tanto de informações. Você vai ficar falando tudo aquilo que foi passado pra você, o cara vai ficar dormindo na tua frente. Eu já dormi em palestra de treinador. Uma hora de palestra, cara?
Tem um tempo ideal?
- Não sei. Você me perguntou como que era feito. Segunda-feira eu já cheguei sempre duas horas antes do treino. Treina quem não jogou. As duas horas antes eu fiquei vendo o adversário de quarta. Terça posicionava a minha equipe só para eles suarem um pouquinho, mas para ver como jogava o adversário. Nada de véspera de jogo, vídeo. Nada disso. No dia do jogo, uma hora antes do ônibus sair, o jogador faz o último lanche. Sobe. Não falava nem cinco minutos e mostrava o vídeo. Treinamos ontem. Olha aqui o posicionamento. Para depois o cara não dizer que não treinei ou que eu não falei. Aí, chegava no vestiário. Quadro negro. Os caras trocavam de roupa. Eu sempre gostei - aprendi isso com o Fantoni - de fazer a palestra ali. Só que o Fantoni. A gente chegava no ônibus, sentava e ele falava. Eu não. Gostava como? Jogador chegasse. Tirasse a roupa. Botava a chuteira. Está pronto para ir para o aquecimento. Eu calculando: 10 minutos. Eu mostrava o quadro: não esqueça isso aqui. Essa jogada aqui é mais importante. Aí, o resto só puxava no mental. A motivação. O cara dali, ele não vai escutar mais nada. Ele não vai mais tocar no telefone. Ele não vai fazer mais nada.
Embora existam cálculos que 20% ou pouco mais dos gols acontecem em bola parada. Quanto tempo você dedicava a isso? E na chegada pro estádio, qual é a hora de relembrar o posicionamento de bola parada ofensiva e defensiva?
- Isso era assim. Os jogadores querem em véspera de jogo, principalmente... no fundo, as duas vertentes, elas são importantes e positivas. Quando o time está num momento muito bom. É bom na véspera do jogo, deixar os caras relaxarem dois toques. Eu fazia antes da parte tática. É bom. Descontrai eles. Quando a fase não é boa, é bom tu não acirrar um time contra outro. É besteira. Esse negócio de coletivo. Isso já não existe mais há tempo. Nem ataque e defesa tu faz porque se o negócio não está bom.
Para não ter enfrentamento?
- Exatamente. Aí, mostrava o tático. O tático é principalmente bola parada. Pega a bola e dá pro lateral-esquerdo. Olha o posicionamento dos caras. Vamos tombar assim. Não, a marcação vai ser alta. A marcação vai ser mais baixa. Aquela coisa. Depois fazia bola parada ofensiva. Tem time que é muito perigoso nisso. E tem time que é frágil na bola defensiva. Aí, posicionava. Um pouquinho cada. Mas isso assim: 10 no máximo ofensivo, 10 no máximo defensivo.
Isso variava de acordo com o adversário?
- Varia.
Quando você vai se preparar pra um jogo que é muito importante. Final do Mundial, por exemplo. Como que é essa preparação específica? Como que é essa preparação para o jogo dessa magnitude?
- A gente já sabia há muito tempo antes quem era o adversário: o Barcelona. Mandei observar assim como mandei observar mais o Ahly do Egito do que o Barcelona porque era o primeiro jogo. Sempre é o mais difícil. Nesse ano de 2006, o Ahly tinha ido a cinco Mundiais consecutivos. E o treinador era o mesmo: Manoel José. Português. Eles tinham uma forma única de jogar. Três zagueiros. Tinha dois brasileiros bons no time. Que que eu fiz? Mandei meu observador Roberto Moreno observar um, dois jogos. E depois nós começamos a criar alguma coisa. Nós sabíamos que o primeiro ia ser o mais difícil porque eles já tinham feito um jogo. Então, vão ao Mundial todo ano. Aquilo para eles é consequência. Não tem obrigação. Tem obrigação de passar do primeiro jogo. Eles pegam aqueles times da Oceania. Então, eu, Roberto, Leomir, nós tínhamos que criar alguma coisa diferente em relação a esse momento.
- Nós que estamos do lado de cá sabemos que não é assim. Mas, no fundo também, imaginamos po, vamos passar. Qual o fato novo? O fato novo é que nós ganhamos uma Libertadores. Eles ganharam a Champions League. Liga dos Campeões. Caramba. Nós já somos o segundo melhor do mundo. Aí, começamos a criar algumas coisas assim, de detalhes. Aí sim, tu tem tempo. Negócio acabou em julho, né? Libertadores com o São Paulo acabou em julho. A gente já sabe que é o Barcelona. Tu começa a criar e pesquisar algumas coisinhas. Nós já somos campeões da América do Sul. Estamos jogando com o Barcelona, que é o campeão da Europa, nós somos o segundo do mundo. A dificuldade que nós tivemos para chegar aqui. Nós começamos a mostrar aos atletas como foi conquistado. Uma derrota. Somente contra a LDU fora. Mas jogo complicado.
- O meu observador, Roberto Moreno, era incrível. Nós descobrimos duas coisas. Primeiro, eu descobri uma, que dos vídeos que ele ia mostrando, que ele via, eu falei, quero esses três aqui. Esses três nós vamos passar. Vamos resumir, resumir, resumir, resumir, resumir. Passamos um jogo contra o Chelsea. Aí, eu tomei um ou dois contra o Real. Mas o que nós queríamos? Mostrar onde eles sofreram os gols e não mostramos nenhum vídeo que eles ganharam. Mostramos esses três que eles perderam. Entendeu? Porque é a hora que eu ia puxar no vestiário. Depois que eu incendiei, o Fernandão incendiou. Cara, aqui, vão levar não, não vão levar. Se vai ter medo de jogar, nem entra. Fica aqui. Olha aqui esse gol, olha aqui esse gol, olha aqui esse gol. Sempre no mesmo lugar. Não quero ficar falando aqui, né? Mas, foi exatamente o mesmo lugar.
- Descobrimos um detalhe. Aí, foi o Roberto. Ele falou: "Abel, toda bola que sai da defesa do Barcelona tem que passar no Thiago Motta. Olha o vídeo." Era Belleti, era Rafa Marques, era Puyol. Thiago Motta, Thiago Motta. Ali começava tudo. Ele não passava do meio-campo. Ele ficava ali, no meio dos dois zagueiros e distribuía o jogo. O Fernando é um atacante, um meia-atacante. Falei: Fernandão, esse jogo vamos deixar o Iarley e o Pato solto para... sem bola, eu não quero que tu roube bola do Thiago Motta. Só quero que fique perto dele para ele não receber.
Para cortar o circuito de passe na saída.
- Cortou. Eles começaram a procurar. Não achava porque... vocês lembram muito bem. Não teve pressão em cima do Inter. Perderam gol demais? O Clemer foi o melhor em campo? Nada disso, nada disso, jogo igual. Então, isso aí é o que você repara. E depois nós botamos isso na cabeça. Cara, olha aqui, perderam aqui. Qual o problema? Esses caras não jogaram nenhum jogo dentro do campo do Nacional de Montevidéu, esses caras não fizeram nenhum jogo em altitude. Qual é o problema que a gente vai jogar com eles agora num campo desse aqui?
Durante esse processo, em julho terminou a Libertadores, terminou a Champions League. E aí, você tem as suas obrigações de quarta e domingo no futebol brasileiro, mas tem o Barcelona ali. O Barcelona estava sempre dividindo a sua atenção com as obrigações imediatas? Ele estava sempre povoando o imaginário? Porque eu imagino que o público, a torcida, eventualmente o jogador sim.
- Todo mundo. Só que. Pode fazer o levantamento. Foi o único time. Bom, isso eu estou te falando um tempinho atrás, né? Até aquele ano, eu não sei, que ganhou a Libertadores e foi vice-campeão brasileiro. Fomos nós.
Manteve a toada?
- Manteve. Mas, preparando e acontece as coisas, porque quem terminou depois da Libertadores, ele foi muito importante. Foi fundamental: o Gabiru. E depois da conquista da Libertadores, até o final do Brasileiro e a viagem, a ideia era que ele não fosse. Eu falei, não. Eu digo, ele vai que nós estamos indo pro Mundial porque ganhamos a Libertadores e ele ajudou muito. Mas ele sabia. Ele era banco comigo já há muito tempo. Ele mal entrava. Eu gosto de conversar muito, só por esse detalhe. Se o Rijkaard, ele bota um outro jogador. Tirou o Xavi, botou Iniesta, não importa. Ele tirou o Motta, aí botou, foi o Xavi?
Foi o Xavi.
- Ele botou um cara que vai atrás mais compor que marcar, mas que chega. Aí, eu tinha o Vargas, eu tinha jogador pra fazer isso, pra marcar. Não, cara. Eu estou jogando um jogo com Iarley, Fernandão e Pato. Eu não estou com medo do jogo. Chamei o Gabiru... foi engraçado. Ontem, a minha professora de pilates perguntou assim. Ela é gremista, gaúcha, “que que tu falou pro Gabiru?” Ela tem raiva até hoje do título mundial. Aí eu falei. Falei nada pro Gabiru. Aí falei pra ela. Olha que coisa, cara, Eu falei assim, Gabiru, Fernandão vai sair. Tu não vai entrar de atacante. Veja bem. Só que tu vai atacar quando nós tivermos a bola. Sem bola, tu vem atrás que o cara vai atacar. O Xavi vai atacar. O Fernando não precisava. Ele bastava ficar perto do Thiago Motta.
O Thiago Motta estava quase sempre por trás da jogada.
- Gabiru tem condição aeróbica para ir e voltar. Tanto que tu vê que o gol Gabiru está dentro do nosso campo, bem lá atrás. Sai a bola aérea e ele dispara e cadê o jogador deles? Não achou ele. Se tivesse Thiago Motta, de repente, eles nem perderiam a primeira bola. Então é isso, cara, é assim. Isso, é o detalhe.
Existe uma resposta se alguém perguntar o quanto, diante de um jogo muito desafiador, de um adversário muito forte, o quanto eu devo abrir mão do que eu sou para me adaptar ao outro? Ou o quanto eu devo manter o que eu sou e me adaptar menos ao outro? Existe um balanço exato? Ou cada jogo é de um jeito? Ou isso não tem resposta? Você pode ganhar de qualquer maneira.
- Para mim, o balanço é mais ou menos igual. Eu não vou mudar minha maneira de jogar. Se você reparar. Lá atrás, Grenal do século, estou falando de 88. Jogava com o Maurício, que foi do Botafogo, o Nilson atacante, Edu Lima. Fluminense. Voltar um pouquinho atrás: Dourado na frente, Wellington Silva de um lado, Richarlison do outro. Então, isso tu bota no campo como tu quiser, com o 4-5-1, está esperando, 4-3-3. Aí, o volante sobe, não importa. Aí tu vai para essas variáveis. Eu adoro porque isso não mudou nada. Só é moderno o linguajar. Tu vai ter que contrabalançar um pouquinho. Então, não existe. Você falar assim, eu sou o F***. Eu não vou valer nada. Problema é dele. Não existe.
Tem que ter humildade nessa hora ali, né?
- Tu tem que chegar ali uma hora. Tu tem que fazer algum tipo de adaptação. É o que eu te falei do mostrar para os caras, ó, eles fazem assim. Nós aqui não somos muito bom nisso. Porque assim... primeiro que ser técnico, né? Eu gosto mais da palavra técnico do que treinador, que eu uso também. No Brasil é muito difícil. Muito, muito, muito difícil. Um dos treinadores mais incríveis que eu enfrentei chama-se Joel Santana. Ele sempre vinha com alguma novidade. Ele encaixava no teu time. Então, ele tinha uma noção exata daquilo que você fazia e ele tentava te surpreender de alguma coisa. Esse cara é incrível. Entendeu? Então assim, o futebol chegou no momento aqui, eu não sei te dizer, aí você pode me responder melhor porque eu não tenho rede social. Eu não entro. Eu tenho um abel oficial lá, mas quem cuida disso é meu filho, a empresa dele. Eu não vejo. Nada. Eu não sei se deve a isso. É uma cobrança surreal. Algumas coisas me surpreende.
- Desculpa estar falando isso, que vocês são jornalistas. Você não pode estar, por exemplo, falando uma coisa durante 85 minutos. O jogo pode estar até te mostrando uma tendência porque está ouvindo. Mas em cinco minutos, aquele que você em momento algum exaltou, vai lá, faz um gol, aí tu vira, tá vendo? Não falei que estava ficando perigoso? Os contra-ataque, mas não falou isso nos 85 minutos, cara, eu falo assim, eu queria ser diretor de esporte de um negócio desse, que não pode... parece que quem está vendo ou está ouvindo é burrice. Não importa se a tua opinião final não vai dar certo, mas você não pode em cima de uma coisa tu falou, ouviu, tu ouviu, tu ouviu, tu ouviu, daqui a pouco porque mudou o resultado, mas não mudou como? Ah, a bola parada. Foi lá, o cara vai, gol. Ah, tá vendo, é? Eu avisei. Não, não avisou nada, sabe? Então, isso tem o negócio do moldar. Isso pra mim é fundamental.
Existe uma obviedade que nós enxerguemos e alguém com 40 anos de futebol não veja? Talvez não é porque a gente ignora que tomar algumas medidas só vai ter consequência para o treinador, mas não para a gente que não vai colocar o time em campo? Seja sob o ponto de vista humano, seja o ponto de vista do que é uma consequência mesmo do jogo. Porque me parece que você trabalhar com jogadores toda semana, todos os dias, durante um ano dificilmente vai ter um movimento óbvio acontecendo no jogo que a gente enxergue e vocês não.
- Só vou te dar um exemplo do óbvio porque para mim era óbvio. Barbieri, que para mim é um monstro. Para mim, é e vai se tornar aí dentro de pouco tempo. Acima da média. Caráter, como técnico, como treinador, como condutor. Os trabalhos dele são ótimos. Não tem medo. Não tem medo de jogo. Mas é o óbvio. Ele falou assim para mim: Vasco e Flamengo, Maracanã. Professor, tô pensando em fazer isso aqui. Que que tu acha? Ele era assim. Que que tu acha? Tô pensando fazer isso aqui. Tô achando que não vou jogar esse jogo assim. Que que tu acha? E eu dava a minha opinião. Dava a minha opinião e sempre ressaltando. Maurício, a cabeça é tua. Não tem que perder com a minha ou ganhar com a minha. Tu tem que ganhar com a sua porque eu sempre ganhei e perdi com a minha.
- Esse jogo ele falou que ia fazer um, não lembro agora o que que é... Eu falei assim: Maurício, concordo não, cara. Flamengo estava com o meio campo. Foi aquele jogo que o Arrascaeta fez o gol de voleio de fora da área. Uma bola cruzada, Pumita cortou... Bom, o Arrascaeta no momento muito bom. O Gerson? Foi o 4 a 1. Aí, eu falei. Eu não faria isso não, cara. Por que, qual é o óbvio? Quando tu vai jogar com o time do Flamengo, com o meio-campo vazio;
Foi quando jogou com três zagueiros? Miranda, Capasso, Léo, Puma na direita, Piton na esquerda. Meio: Jair, Orellano. Então, o meio-campo, fora a linha de cinco, o Vasco tinha Jair, Orellano, Alex Teixeira, Pedro Raul.
- Quem que marca?
E o Galarza. Galarza e Jair.
- Jair é ótimo. Eu falei, cara, tu vai jogar com o meio-campo vazio, com um a mais atrás e faltando no meio. Bom, 15 minutos. O Vasco faz um jogo incrivelmente fantástico. Flamengo não chegou na nossa intermediária. Até que numa bola no meio-campo teve uma jogada boba ali, que não fizemos a falta. Sofremos o gol. Foi pênalti, se eu não me engano, acho que foi pênalti. Cara, dali dos 15 aos 45 nós tomamos quatro. Tiveram mais três gols. Do primeiro gol até o último foram 30 minutos de um baile. Não vimos a bola. Quer dizer, até os 15, o Flamengo não chegava, fez um gol e sabe como é que é... o peso de um Vasco e Flamengo, né? Os caras no meio-campo, toca, toca, toca, mexe, roda, toca, mexe. Arrascaeta naqueles dias loucos e quando ele joga o Flamengo é outro. A verdade é essa. Eu desci antes do juiz apitar intervalo. Desci. Aí, quando eu cheguei lá de cima, estava na cabine. Quando eu desci, cheguei no vestiário, o Maurício, ele ia entrando e eu abracei ele aqui. Fui com ele lá pra sala dele. Falando com ele: aqui, ó, tu não pensa, pelo amor de Deus, tu não pensa em empatar o jogo, em querer fazer três gols porque do jeito que está, nós vamos passar a maior humilhação da nossa vida. É um peso, cara. Você foi treinador do Flamengo. Tu sabe o que representa esse jogo pro torcedor? Maurício, enche o meio.
- Bota volante, põe o diabo, deixa acabar como está. O Vasco voltou para o segundo tempo muito melhor. Acabou o domínio, fez o 4 a 1, podia ter feito 4 a 2, botou bola na trave. Então, isso aí é o óbvio. Você jogar contra o Flamengo com o meio-campo com pouco jogador... você não precisa ter, fundamentalmente, você encher o meio não significa dizer botar volante, mas vou ter jogadores que, com determinadas características, possam vir para povoar, para quebrar aquela circulação de bola. Porque se você tem uma circulação de bola e tem um jogador como o Arrascaeta. É o tipo de jogador hoje que no Brasil não existe. No Brasil hoje, Brasil só tem dois jogadores que pifam. Brasileiro. Ganso e Alan Patrick. Fora isso, é meia ofensivo. É um segundo volante que sai. Não importa. Mas esse cara, ontem simplesmente eu vi um grande jogo, com muita intensidade, mas a bola do Ganso, pelo amor de Deus, cara. Bota um troféuzinho ali, bota um pra ele e bota um pro Fábio, né? Eu adorei porque, time do Rio, não quero o que aconteça, nada ruim com o Fluminense. Adoro o Diniz, é meu amigo, eu gosto do Cruzeiro, os negócios, quando tu tá de fora, tudo e fica nessa loucura. Ontem, eu vi um grande jogo de futebol.
Agora, você falou na conversa com o Barbieri e aí você citou o diálogo entre duas pessoas com formação técnica no futebol. Só que especialmente se a gente volta alguns anos e imagino que durante boa parte da sua carreira, a relação era com o dirigente tradicional, voluntário, sem nenhuma formação técnica em futebol. Quantas vezes ao ser contratado, discutiram com você modelo de jogo, forma de jogar, adequação ao elenco, estilo de treino? Porque quase nunca tinha uma pessoa do outro lado da mesa com formação pra isso.
- Nunca. Eu fui até um pouco intrometido quando eu fui em 2008 pros Emirados. O Al-Jazira é um clube da propriedade. O dono é o sheik Mansour, que é o dono do grupo City. É um cara fantástico. E ele nessa época tinha 40 anos, 2008 também não tem muitos anos assim. E o presidente, esse entendia bem de bola. Ele me contratou. Claro, já tinha jogado o Mundial. Depois do Mundial, sem férias adequadas, fomos para um torneio de Dubai. Já era 2007. Ganhamos de dois times lá. Não sei se foi um alemão, não sei se foi o Ajax, que também estava no torneio, e ganhamos a final com a Inter de Milão. Mas o time da Inter de Milão com o Júlio César, Maicon, Cambiasso, aqueles caras todo.
- Depois, nós fomos fazer uma pré-temporada em Abu Dhabi para fazer um amistoso com o Al-Jazira e ele viu os treinamentos. Aí, ele me contratou no ano seguinte. Quando fechou, eu comecei a olhar esse jogo contra o Inter, o amistoso. Aí eu falei assim, caramba, cara, tem que mudar algumas coisas aqui. Aí perguntei ao presidente. Tu me dá fulano e fulano? Pelo menos dois jogadores nessa posição aqui? Então, eu te dou. Quando eu cheguei lá, ele não falou nada disso para mim. Eu falei para ele, se tu me der esses jogadores, eu vou ganhar alguma coisa. O clube nunca tinha ganho nada no país. São três competições, tipo o campeonato nacional, a copa do rei seria a Copa do Brasil e a copa de Salati, que era a copa da liga, por exemplo. Nenhum. Nenhuma competição oficial. Se tu me der porque tinha um número 10, que eu vim saber depois, que era da Costa do Marfim, que era o capitão do time, Diaky. É o maior fenômeno que eu dirigi no futebol.
É mesmo? Maior fenômeno na sua carreira?
- Na minha carreira. O maior fenômeno que eu dirigi. Sabe o que que é um jogo começar, a bola não passar no pé dele um minuto, ele vai buscar do goleiro, do zagueiro. Ele é meia ofensivo. Naturalizaram, deram dinheiro a ele. Não saio. Só jogo na seleção do meu país. É um cara surreal, surreal. Eu falei, eu vou ganhar alguma coisa para você, presidente. Aí, o time jogou muito, começou a ganhar uns torneiozinhos e tal. Mas no primeiro ano ainda, aí foi assim, vou ficar, não vou ficar, vou ficar, renovou mais dois anos. Aí ganhei as três competições. Aí, machucou o Fernando Baiano, eu fiquei assim para ele: e agora? O artilheiro do campeonato. Já fomos vice-campeões primeiro ano. Baiano machucou e foi para o rival, para o Al-Wahda, que é de Abu Dhabi também, 500 metros. É como antigamente o Olímpico e o Beira-Rio. Pertinho. Rivalidade incrível. Aí eu falei, quem tu vai me dar? Quem tu quer? Me dá o Ricardo Oliveira? Eu te dou. Vou ganhar. Agora, eu vou ganhar mesmo. Não vou ser mais vice-campeão. Botei o Ricardo Oliveira com esse diabo desse Diaky.
Abel, aproveitando essa parte da contratação de atleta, trazendo aqui para o Brasil. Como é que era feita? Era feita a quatro mãos? Você tinha papel importante? Tinha clube que não deixava o treinador decidir? Como é que era feita essa parte da contratação aqui?
- Eu vou te falar como é que foi no Vasco. Vou te falar um pouquinho antes. Ano passado, quando eu comecei a ver todas essas ferramentas, né? Eu tinha muita ferramenta como treinador, parei em 22 e cada vez ela não para de evoluir. Cada vez o clube te dá mais, né? Hoje, para mim, os melhores departamentos é o scout e a fisiologia. A fisiologia ela te dá quase números exatos. Trabalhando muito forte, diminui o trabalho hoje, porque senão domingo pode ter um problema.
Como você quantifica isso de diminuir o trabalho ou não? É quantidade de minutos em campo? Como que é?
- Tanto minutos como intensidade, principalmente intensidade. Se você dá muita intensidade hoje, o trabalho tem que ser curto. Se a intensidade é média, tu bota mais ou menos e vai ser a intensidade baixa. Deixa aí 1 hora, 1 hora e pouco, tá? E isso eu estou te falando com tempo para treinar: time reserva, time de titulares juntos. Não é aquele negócio pra treinar um time. Quem mais treina num time de futebol hoje é o grupo reserva, né? Porque é o que menos joga porque quando tu precisar ele tem que estar com a carga parecida. Os treinamentos se baseiam muito em pegar a equipe da base. Isso é importante porque é ali que você descobre, você começa a ver. Fazer o coletivo. Aí, tem que ter coletivo contra o teu time reserva porque é a única maneira, o único treino mais parecido com o jogo. Então, quando você tem um cara que te escuta, um vice-presidente que, pô, entende de futebol. Um cara que você conversa com ele, sabe? Esse cara sabe, esse cara conhece. É legal porque você troca ideia. Ó, esse cara aí não vai dar pra gente. Ele te fala. Agora, então vou te falar do Vasco. O Bracks foi o cara que me levou pro Vasco. 777 era da SAF e ele era assim. Maurício, está querendo o quê? Quero, um exemplo, um lateral-direito. Legal. Aí, ó, Paulo, Maurício quer um lateral-direito. Ele já ia no scout. O scout já te dá uns cinco laterais-direito.
- Desse scout, ele passava aqui. Isso no Vasco, lá no CT é tudo colado. Sala com sala: scout, departamento de mercado, e Paulo. É uma sala que eu ficava com ele, apesar que eu tinha a minha, mas estava sempre com o Paulo. Nesses cinco, o Paulo já descartava dois ou três. Falava, ó, isso aqui está fora do contexto, né? Ô, Paulo, fala com os caras da 777, tem que gastar um pouco mais. Era assim, era bem acessível. Então, cara, isso hoje ele é muito melhor, porque você já vai assim: ó, tem esses nomes, agora nós vamos passar pro treinador este aqui, o clube consegue aumentar. O treinador fala: não quero, sinceramente. Hoje existe esse tipo de controvérsia. É muito assim, se contrata muito porque isso hoje passa pelo executivo, passa pelo mercado. Tem clubes que alguns empresários têm uma penetração muito grande. É meio complexo.
Abel, mudando um pouquinho o assunto agora. Você vai para o jogo ali. A tua preleção. Primeiro, como é que ela era? Em que momento você, aproveitando esse gancho, dava o 11 inicial? Era já no estádio? Era um dia antes? Isso variava? Como que funcionava?
- Muito bom isso que você perguntou agora porque hoje me dá a impressão.
Hoje vaza muito, né?
- Exatamente. Me dá a impressão que às vezes incomoda ao treinador. Eu te falo porque eu joguei na Europa. Eu, quando cheguei num primeiro clube fora do país, foi Portugal. No meu primeiro treino, o volante chamado Carlos Miguel, ele ia saindo do treino. Acabou o treino. Eu estava em pé, conversando com o William, que era um brasileiro, e o Birigui, que era um goleiro do Santa Cruz, que tinha ido pra lá. E eles já estavam no clube. Estão conversando para estar me inteirando bem como é que é. Esse rapaz passa e ficou um pouco parado ali, um pouco fora da conversa, né? Ficou parado. Acabei de conversar com eles. Eu não esqueço, cara, os detalhes, algumas coisas que não esquece. Aí, ele primeiro que eu nunca tinha sido chamado daquele jeito: mister. Depois que eles saíram. Mister. Diga. Eu te juro que acho que nem chamei ele pelo nome que eu não sabia direito, é? Diga aí, pode falar. Posso falar consigo? Pode. No Brasil, vocês conversam sempre com o jogador assim. Claro, pô. Eu vou treinar vocês. Eu vou botar para jogar ou não, dizer se está bom ou não. Não vou conversar? Não. Só queria saber isso. Aí, fui me inteirando. Exatamente isso. Ali, os cara dão quem joga na hora. Às vezes, joga linha de 4, boto linha de três zagueiros. Tomo um gol com cinco minutos, acaba com aquilo. Tu tem que fazer e não contesta nunca que soberana é a palavra do treinador.
- O que ele fez? Tu não vai chegar para ele: tu fez errado. Podia ter feito diferente. Tem hora que você tem que mostrar o teu conhecimento principalmente, como tem que aceitar também quando ele está te propondo ou ele vem te fazer alguma colocação que ele está correto, né? Eu no Mundial, na véspera do jogo, bateu na minha porta Iarley, Fernandão e Pato. Professor. Espera aí um pouquinho, batendo na porta, me acordaram. Eu falei, tá bom, espera aí, vou escovar os dentes. Que que foi? Pensei que tinha algum problema. O treino ontem professor. Tá, eu sei que o treino foi uma porcaria. Eu falei: não, mas preocupa não, que hoje a gente no treino, que era no estádio do jogo, eu vou mostrar a vocês porque. Não porque a gente estava pensando em marcar o Barcelona em cima. Eu falei, esquece. Fora de questão, esquece. Se eu não mostro o argumento a eles no campo, por que que deu errado no treino? Pô, esse cara é só porque tem que ser a opinião dele?
É um trabalho de convencimento?
- Nós ganhamos do São Paulo em São Paulo, decisão da Libertadores, um time normal. Fabinho, Sóbis, Fernandão, aquela coisa. Saiu expulso aquele volante que veio de Goiás, como é que o nome dele?
Josué?
- Josué. E foi expulso Fabinho. Jogo quarta-feira. Segunda-feira... nós jogamos no sábado, vai treinar o time todo. Aí, estou indo para o campo. Já tinha falado com os caras no vestiário... assim, assim, assim, Ricardo Oliveira não vai jogar porque acabou o empréstimo dele. Não vai. A FIFA já garantiu que não pode. Presidente já tomou as decisões que tinha que tomar. Não tem como ele jogar. Não vão prorrogar. Vão falar que estão falando que vai jogar, não vai jogar, beleza? Eu falei: nós vamos jogar assim. Botei três centrais. Escutaram, beleza. Não tinha o CT. É onde fica o estacionamento hoje, que era o campo de treino. Estamos saindo do vestiário do Beira-Rio para dentro do campo. Aí, Clemer, Fabinho, Fernandão. Tinha mais um. O Fabinho não ia jogar. Professor, nós ganhamos do São Paulo lá com dois zagueiros, vamos ganhar com três? Vamos.
- Tranquilo. Mas como é que vai fazer? Eu vou mostrar no treino, cara. Aí mostrei. Vamos fazer assim. Parte defensiva, um já levantou a mão, o dedo. Professor, quem que vai marcar o Mineiro? O Mineiro quem vai marcar é o Alex, cara. O mineiro está mancando. Vocês não estão vendo que ele está mancando. Estava mal do tornozelo. Ele está mancando. Alex marca. Aí eles fizeram assim, não olharam para mim não, olharam pro Alex. O Alex está com vocês aqui. Pergunta a ele. O Alex vai marcar e vai jogar. Ponto. A história é fantástica. Mostrei. Primeiro gol: 1 a 0, gol do Tinga. Tínhamos ganhado de 2 a 1, mas era para ter sido três, quatro. Então, você está dando para entender. Se naquela hora, eu não estou inventando. Já sabia que o Ricardo Oliveira não vai jogar. Bom, tá bom aqui três centrais e lá quem marca fulano. Foi tipo: Alex é um meia. O Alex, de primeiro volante, se tu botar, ele joga. Jogava, né? O cara era fantástico. Então é isso, o argumento, se você na hora não mostrar...
E na hora que saiu a escalação do adversário... você está ali no momento antes do jogo, muda alguma coisa? O que você analisa ali?
- A gente espera o máximo.
Já teve grande surpresas assim ao receber a escalação do adversário?
- A maior surpresa para mim. Por exemplo, no Inter eu nunca tive esse problema justamente por causa do Alex e do Fernandão. Que que acontecia? Às vezes, tu treina o teu time, né? Eu já falei: ó, adversário joga assim: dois zagueiros, dois volantes, três volante, um volante, não importa. Teu time está aqui. Tu fala: ó, cuidado com esse cara aqui que ele sai muito. Aquele negócio. Aí, vem a escalação: três zagueiros. Eu não treinei. Mas, eu mostrei no vídeo que jogavam com dois. Só que meu time já tinha o plano B. Porque meu time estava voando, estava muito bem, Alex muito bem, Fernandão muito bem. Eles chegam na área com facilidade. Eles vinham atrás. Então, quando chegava assim, começava o jogo. Às vezes, nem vinham com três zagueiros para você falar, botava mais um jogador de meio, botava um volante fazendo o terceiro zagueiro. O Fernandão chegava para mim do campo fazia assim. Tipo, estão com três. Ele já sabia que ele ia adiantar com o Iarley e o Alex vai voltar um pouquinho mais, entendeu? Para ficar do lado Fabinho, ou do Hélio Monteiro ou do Edinho. Já tinha o plano B, entendeu? Agora, isso é um negócio que todo treinador faz. Ele espera o máximo que pode para sair a escalação. E o que eu fazia era exatamente aquilo que eu te falei. Um pouquinho antes de sair do estádio: vídeo de 12 minutos. Nunca deixei passar de 12 minutos. Antes, você fala um pouquinho, disserta sobre aquilo que foi treinado na véspera. Treinamos assim, cuidado. O time deles é esse. Nós estamos num momento bom, não estamos num momento bom. Isso não importa, isso importa...
- Mostra o vídeo. Aí para o vídeo. Ó, olha aqui nós avisamos. Segue, para, olha a bola parada que foi treinado – a defensiva e a ofensiva –, olha aqui como marcam mal no segundo poste, olha aqui como não tem rebote, faz um tipo de jogada que nós fizemos para obrigar o outro cara do rebote sair e ficar livre nosso do lado oposto. Então assim, chegava no vestiário, ficava o quadro ali, um posicionamento que nós íamos usar, eu sempre botava o posicionamento como se eu tivesse com a bola. E o ofensivo pro cara não ficar vendo muito boneco para trás. Aí, olha aqui, não esquece e tal. Isso no vestiário estourando 15 minutos.
Depois de definir algo: a gente vai jogar sim. Eu conheço as forças, as eventuais vulnerabilidades do adversário. Treino da véspera, montou a estratégia, o dia do jogo, o jogo fica acontecendo na sua cabeça muitas vezes? Pensando, caramba, mas se acontecer isso? Ih, mas se o adversário vier assim? O jogo dá muita volta? Acontece várias vezes na cabeça do treinador antes mesmo?
- Interessante isso. Não que venha tanto. O legal de tudo é quando você olha aquilo que o scout passou, que você já explicou ao cara bem lá atrás. Ó, eu quero que me passe isso. Eu não preciso ficar todo dia, pô, repete isso aqui. Não, aqui não gostei. Não precisa. Já vem da melhor maneira possível. Você posicionou o time na véspera e no dia do jogo, eu não passo vídeo antes. Eu passei no Japão porque eu tinha tempo. Todo mundo dentro do hotel sei lá quantos dias. Aí passei aqueles vídeos de nós perdendo, aquela coisa. Aí, quando tu passa o vídeo no dia do jogo, aquela horinha antes de ir pro estádio. Passou, parou. Estão vendo né? Sim. Fabiano Eller. Ó, como o cara puxa com a bola e roda para receber longa. Aí, tu bota o lance. Aí o cara, daqui a pouco, o cara faz isso aqui. O atacante para, bola e roda, aí tu para. Olha bem. Índio, não faz a marcação longe, está do lado oposto da bola, não fica na linha, vem um pouquinho para trás, aquelas coisinhas. Então, tu vai bem, isso tu fica bem. O que não fica bem foi a pergunta que vocês fizeram há pouco. É quando o cara vem com algum tipo de novidade? Tipo o Joel Santana. O Joel, ele é tão bom e ele não é assim. Uma coisa, ah, botou três zagueiros. Não, cara. Um exemplo, pegava o Keno da vida, aquele jogador que pega do lado, que gosta do um pra um, aquele negócio todo, vai botar o Keno em outro lugar, que tu não está esperando. Não é questão de botar mais um atrás ou menos um no meio, ou o contrário. Tu pode ter dado o toque na véspera, mas tu não treinou, pô. Eu não vou treinar o cara três maneiras de jogar. Não vou botar isso na cabeça de jogador. Mas, o teu jogador, ele tem que ter consciência. Cara, assim. O jogador confia ou não confia. Não adianta. Se você não tiver argumento correto, principalmente intervalo de jogo daquilo que está acontecendo, tu está morto?
Ele precisa acreditar em você?
- Tem que acreditar porque, cara, ah, vou trocar por trocar? Tu não pode. Eu posso trocar por você não estar bem. Eu posso trocar porque esse setor aqui meu não está rendendo e eu esperava que ia me dar mais. Mas tu tem que explicar o porquê. Então, aquilo ali que você falou é o que preocupava mais. E eu sempre disse para eles: olha, no finalzinho, antes deles irem para o aquecimento, já está tudo de roupa trocada. Se acontecer isso aqui, eu já falei, Mansur, tu vai entrar um pouquinho. Mansur, tu vem um pouco para trás. Mansur, tu vai um pouco para a frente. Eu aviso, não se preocupa com dois minutos, eu estou avisando. Isso que fica. Esse cara vai aprontar alguma... tu vê já um nome diferente na escalação. Não é seis por meia dúzia. É esquisito. Como é que eu vou saber o que que ele vai fazer? Eu não sei, eu não sou treinador dos caras.
Durante o jogo é qual o grau de intervenção possível?
- Aí, tem que ter. Se você está enxergando: enxerga bem ou não. Mas tem. Você empurrar para lá, empurrar para cá. E tu vai empurrar e às vezes vai continuar assim. Aí que entra o jogo. Não foi o pré-jogo, ali o que está acontecendo assim. Caramba. Meu time não está tendo solução. Aí é aquilo. Até o cara terminar o primeiro tempo, você caminhar aquele tempo até lá dentro. É hora dos cara irem no banheiro, lavar rosto, trocar a camisa e tua cabeça está a mil. Às vezes, chegava no intervalo, falava assim: cara, não está dando jeito. Vamos fazer um quadrado no meio. E os laterais? Deixa os laterais, cara. Bom, você ataca quantas vezes no jogo? 50. Faz um gol, dois gols, às vezes não faz nenhum. Por quê? Em 48 vezes, eles perdem a bola. Então, vamos se preocupar aqui, cara? Negócio é que não estamos jogando nada. Agora, quando a gente tiver a bola, quem vai marcar você? É o volante. Então, eu tô livre. Você vem e marca, ele vai deixar você nas costas dele. Aquele quadrado de meio, quadrado. Com a bola fica um primeiro volante, um segundo, dois meias e dois atacantes, que um fica enfiado para prender dois zagueiros, o outro rode, não importa. Isso é o que mais complica um time de futebol. Quando o diabo do meio, os caras fazem quadrado. Aí, vou chegar. E quem estava fazendo mais ou menos isso... Bem! Eu quero defendê-lo porque primeiro que é meu amigo. Eu vou sempre defender treinador e ele é muito bom treinador, né? E não pode ninguém dizer não porque é o Tite. O Tite estava com um time. Vamos lá. Ayrton Lucas voando. Pulgar. De la Cruz. Do lado esquerdo ou do lado direito, esse que se machucou agora? O canhotinho.
O Luiz Araújo.
- Luiz Araújo. Cebolinha arrebentando, melhor jogador do time. E o Pedro. Precisa falar mais nada e o Gerson vinha fazer esse quadrado com Arrascaeta. Aí, o Flamengo estava assim. Aí, ele perdeu o Cebolinha. Não vamos contratar o Michael para substituir o Cebolinha, que só volta ano que vem. Machucou o Pedro. No meio do negócio, mais atrás lá, o Gerson tem que fazer uma cirurgia, o Arrascaeta teve contusão. O Ayrton Lucas caiu de produção. Luiz Araújo machucou. O que que você quer, cara? Esse jogo aqui mexeu mal, tudo bem. Espera aí. Olha bem. Eu me defendo, né? 2019 começou o bom Flamengo, mas começou aqui, com o Abel Braga, campeão Florida Cup, campeão carioca, classificado na Copa do Brasil para as quartas, se não me engano, e primeiro do grupo depois de 10 anos, 11 anos. Aí eu saí, veio um treinador ótimo, que é muito melhor que eu. Mas, veio Rafinha, Mari, Filipe Luís e Gerson. Aí, machucou o Diego. Aí, começou a virar titular o Arrascaeta. É assim o futebol. Então, se melhorou muito quando esses jogadores chegaram. Por que piorou tanto agora? Caramba, está aí a justificativa, cara. Melhor jogador do Flamengo era o Pedro e o Cebolinha, não é não? O De la Cruz lá em cima, voando. Também começou a ter uma contusão, joga um jogo, não joga o outro. Machuca o Arrascaeta, púbis. Tudo foi para esse lado e desmonta. Nós não estávamos falando de um jogador, cinco extraclasse.
A gente falou muito aqui de Libertadores, Inter e Fluminense. A vida de todo mundo tem as suas derrotas. Tem um jogo que fica na sua cabeça? Esse eu fui mal?
- Tem. Foi a maior decepção minha. Eu não fui criticado e ninguém diz que eu fui mal. Mas, eu depois, com experiência, eu vi que eu fui mal. Porque eu ia para uma final da Libertadores. Era um treinador com 37 anos, mais novo do Brasil, em time principal, de grandes clubes. E eu não fui pra final, ganhei fora de casa do Olímpia, 1 a 0. E mantive o mesmo time em casa, da mesma maneira, do mesmo jeito. Era um time ofensivo. Esse jogador que eu te falei, jogava com o Maurício, Nilson, Luiz Fernando Flores, que era um meia ofensivo, Edu Lima. Perdemos o jogo em casa. Eles fizeram 1 a 0. Nós fizemos 1 a 1. O empate era meu. Nós fizemos 2 a 1. Teve um pênalti, o Nilson perdeu. 2 a 1 em casa, empate é meu. Pênalti a favor. Perdemos. Eles 2 a 2, 3 a 2, vão pra disputa de pênaltis. Fomos eliminados.
- Depois, eu comecei a me perguntar. Não existe. Se eu tivesse puxado um para cá um pouquinho mais. Eu tinha vantagem, cara. E eu ia para a final com um time que não tinha tradição nenhuma, que era o Internacional.
Teria que ter sido um pouco mais pragmático?
- Exatamente. Ter pensado um pouquinho, né? A experiência era pouca ainda. Eu comecei em 85, e já comecei sendo campeão do torneio de Berna com o Botafogo. Metemos 5 a 0 no Borussia Mönchengladbach. Eu já estava achando que sou bom nisso, mas não é assim, entendeu?
Eu imagino que quando o Inter vai jogar esse jogo com o Olimpia, da mesma forma que quando o Inter vai jogar com o São Paulo a final da Libertadores, decidindo algo importante, local, tudo em torno dos jogadores, da cidade é uma efervescência. Assim como, por exemplo, era uma efervescência o Rio na final da Copa do Brasil: Flamengo e Santo André. Aquela coisa de vai ganhar. Administrar isso é difícil? E hoje você pensa, eu devia ter tirado os caras daqui, ou levado para outro lugar, ou fazer diferente, enfim?
- Eu e Junior chegamos a essa conclusão. Porque tu não pode imaginar a loucura que foi o negócio de procura de ingresso. Jogadores treinando. Falavam para o segurança: pega mais cinco ingressos para mim. O cara comprava, entendeu? Era muito bem dirigido, o Santo André estava com um coletivo forte, time bom. Mas, não era time superior ao Flamengo e foi muito ruim, muito, muito. Não deu nem cinco minutos, nós perdemos o Robson, aquele volante menino de 17 anos, e não aparecia para ninguém. E ele era fundamental ali e perdemos ele. E os caras foram jogando normal e gol. Depois, o Fluminense é uma coisa. Lá em Paulista, né? Aquilo foi muito atípico porque também perdemos muitos gols. Perdemos o jogo. Antes de chegar no estádio, o ônibus fez um caminho meio louco, quando desceu na ribanceira para chegar no estádio, a traseira bateu embaixo e ficou ali... começamos quase que trocar a roupa dentro do ônibus. Mas, mesmo assim, se fez um jogo bom, cara. O Tiuí, o Tuta, perdemos alguns gols que... podia liquidar. Aí, depois eu não tinha Maracanã, fomos para São Januário. Os caras fecharam bem e acabou 0 a 0. Mas aquilo ali foi tudo aprendizado, entendeu?
- Nada para mim foi igual perder meu filho, mas assim, eu não esqueço mais, cara. Meu filho chegou em casa e falou assim: "ô, pai. Pô, estão falando aí que tu é vice." Falei: não, cara, sou vice, não deu para ganhar. Agora, ganhamos de não sei quantos clubes e o time do pai chegou na final. O outro ganhou, foi melhor. Aí, no ano seguinte veio, vice-campeão brasileiro, campeão da Libertadores e campeão mundial. Está vendo como é que é a vida? Mas isso também vai te ensinando. 89 me ensinou. Eu não mudei nada da maneira que jogamos contra o Santo André no campo do Palestra Itália, né? Fizemos aquele gol de falta, no finalzinho ali. Foi do meu lateral-esquerdo. Fizemos um bom jogo e no fundo nós tivemos que empatar com os caras: um gol de falta de longe, se eu não me engano.
O Roger fez o primeiro. O Athirson fez o segundo.
- Athirson. Gols dos dois laterais. Athirson de falta. Fizemos um jogão. Não era para empatar, era para ter ganho. O primeiro jogo em Paulista com o Fluminense, no ano seguinte, era para ter ganho. O jogo em São Januário nós dominamos sem criar. Agora, o ano anterior com o Flamengo aqui no Maracanã, jogamos muito mal. Não nos deram nenhuma hipótese. Não estou dando desculpa porque eu estou falando que não merecemos nada. Jogamos muito mal, os caras foram melhor. Mas a contusão do menino pesou muito.
De uns tempos para cá, os jogadores são personagens, sob o ponto de vista nosso de mídia, menos acessíveis. Antigamente, a gente ficava à beira do campo, conversava com todo mundo. Após o jogo, falava com todo mundo. Hoje é quase tudo muito concentrado na figura do técnico. Derrotas e vitórias me parecem todas muito centradas na figura do treinador. O pós-derrota para um treinador foi ao longo do tempo se tornando uma coisa mais pesada? Com repercussões para a família, limitações do que se pode fazer após uma derrota como essa. Como é que era o seu pós-derrota? E como essa forma hoje de lidar com a figura do treinador foi interferindo nisso?
- É uma questão bem complexa e bem legal. Porque hoje tanto jogador como treinador. Vou te voltar há muitos anos atrás. Vou te voltar em 98. Foi quando esse filho que eu perdi nasceu. Nasceu em Curitiba. Eu trabalhei com o Minelli. Rubens Minelli. Ele passava no hotel, estava morando em hotel ainda e ele morava no hotel mais perto da rodoviária e o meu era mais sentido CT, mais próximo ali. Ele passava do hotel dele, parava e me pegava. Aí, eu entrei lá no mau humor, ele tipo um gerente, né? Tu vê que naquela época já se tinha essa pessoa que fazia essa ligação entre treinador e jogadores e ele me orientou. Foi aí que eu ia complementar. Não complementei aquela questão quando te vi bravo, né? Porque, espera aí, cara, tem que respeitar também a nós. Não é obrigado a responder. Eu entrei mal humorado dentro do carro dele. "Bom dia, professor, bom dia. Que que foi? Tu chegou a ler o que o Asmus botou na coluna dele hoje, cara?" Esse cara... eu estava no Athletico Paranaense, ele é atlheticano. Ele olhou para mim assim. Está me perguntando se eu li? "Abel, eu vou te ensinar uma coisa hoje. Aprende. Não leia nada sobre o teu time. Tu vai viver muito melhor contigo mesmo." Então, eu aprendi isso em 98. Eu não fico me baseando em rede social. Não tinha rede social para você ouvir N barbaridades. Não via se tinha ameaça porque hoje o que você mais escuta é isso. Ameaça que vai fazer. As pessoas me falam, eu estou alienado contra isso. Alienado. Então, isso que tu colocou, cara, é muito pesado aqui. Hoje, ser treinador de futebol, é pesado. Eu li uma hoje, uma colunazinha. Uma coisinha pequena. É chato ficar falando isso, cara, mas vou ter que falar isso aqui. Ele fazia uma analogia assim. Se o treinador do São Paulo fosse brasileiro. Tipo, já tinha ido.
Tem menos tolerância, você acha com um brasileiro?
- Acho que tem. Não tenha dúvida disso. Como joguei lá fora, vivi lá fora, só em Portugal foram seis anos e meio. Fui muito bem tratado, muito bem recebido. Eu gosto. Falo bem. Eu gosto muito do xará (Abel Ferreira). Lá atrás, ele começou a ganhar, teve alguns problemas. Não adianta. O A pode não se dar com B, mas se tu for brigar com B, o A vai ficar do lado B. Aqui é assim. É um pouquinho diferente do teu país. Aí, eu falava para ele, entendeu? Porque nós pegamos uma amizade muito grande em um Inter e Palmeiras. Ganhamos o jogo 2 a 0. Eu saí da conferência, ele estava indo. Aí, conversamos. "Pô, legal, pô, o teu time está bom." Estava botando aqueles moleque todos para jogar. Eu falei, cara, que jogador esse aí teu. Não lembro nem qual foi que eu falei. Garoto. Um garoto. Pô, se eu tenho esse moleque no meu time. Aí, ele falou assim. Então, também me dá o Yuri Alberto. Já tinha tirado o Galhardo, tinha botado o Yuri Alberto. O Inter passou aquela fase que ficou onze jogos sem perder, né? Eu gosto sempre de falar. Eu vou falar de novo. Me levaram no apito. Me tiraram aquele campeonato no apito, mas tudo bem. Então, fizemos uma relação boa. Eu gosto dele. Então, me senti assim na obrigação. Como eu tenho muitos amigos treinadores em Portugal, eu falei com o Tinoco, me arrumou o telefone dele. Aí, eu liguei. Primeiro, eu mandei mensagem. Quem está falando aqui é Abel Braga. Ele me atendeu muito bem, sempre deu os parabéns pelos títulos, aquela coisa. Então, eu gosto do treinador estrangeiro, entendeu?
- Mas a paciência é outra. Paciência é outra. Acho que o treinador brasileiro não é teimoso. Teimoso naquilo da maneira que ele põe para jogar. Ele não é teimoso. Eu não estou te falando em fazer trocas. Eu acho que aqui no Brasil tem uma pressão muito grande. O treinador às vezes não desenvolve melhor pela pressão. Ele está sempre acuado. Tem dois treinadores que eu gosto muito. Um então, cara, eu tenho até muito pouca relação. Muito pouco. Encontrei uma vez no shopping, nunca saímos para jantar. Nunca nos vimos em jantares. Nunca coincidiu. Porque ele sabe que eu gosto muito dele. É o Barroca. Barroca, taticamente, é um absurdo. Estou te falando. Vou te falar um jogo aqui. Tu vai lembrar. O Inter ganhou um jogo do Botafogo. Ele no Botafogo. O Botafogo deu um baile no Inter. Fizemos um gol. O gol da vitória era uma falta. O cara do Botafogo estava virado para o campo de ataque dele. Falta. Bola parada. O cara virou para o goleiro para atrasar para o goleiro, dando no pé do Yuri Alberto. Aí nós fizemos o gol. Nós tomamos um baile. Saindo do jogo. Acabou o jogo. Fui falar com ele lá no corredor lá da conferência. Falei: Barroca, que que tu fez, cara? Que coisa linda ver seu time jogar. Ele é jovem. Eu falei: Barroca, fixa isso aí. Vê tudo o que foi feito de bom no teu time hoje, cara. Não pensa em resultado. Falei isso pra ele.
- Outro que eu gosto muito: Zé Ricardo. E o Zé Ricardo, posso falar, porque o Zé Ricardo eu tenho mais convívio porque ele também mora no Leblon. De vez em quando, ele está andando agora no Caminho Niemeyer. Eu ando de bicicleta, aí se encontra. Pô, vai lá em casa hoje. Tomar um vinho, vamos bater um papo, né? Eu amo. O critiquei algumas vezes porque eu falei pra ele. Saiu do time, mas tu vai pegar esse outro? Tem duas semanas, Zé. Calma, cara. Tu é bom no que tu faz, cara, porque é bom. Todos os clubes que ele passou, estou falando de Inter, de Vasco, uma série de coisas, todo mundo diz que ele é bom.
Você acha que faltou algo na tua carreira? Treinar algum clube, ganhar algum título, uma coisa assim que você acha?
- Eu não posso reclamar. Ajudei a ganhar 29 títulos. Se botar torneio de Hungria, algumas coisas assim, vai a 32. Mas tem um que me chateia um pouco. Falta né. Não só me chateia. Falta. Eu não ganhei. Uma Copa do Brasil. E óbvio. Não justifiquei nada aqui. Os caras jogaram bem. Mereceram. Não tem hipótese. Acho que os resultados dos dois primeiros jogos não foram corretos. Mas, me incomoda não ter ganho a Copa do Brasil. Isso me chateia um pouco.
Você sempre levou a família junto nos trabalhos que você fez?
- Normalmente sim, né? Por exemplo, eu não vou, mesmo hoje, a pé em lugar nenhum. Já treinei os quatro (grandes do Rio), joguei em três. Só não joguei no Flamengo, mas mesmo assim, eu não vou... por exemplo, acabou o jogo hoje, ah, vamos tomar um negocinho na Dias Ferreira, eu não vou. O Galeto é Dias Ferreira, mas eu fiquei na parte de dentro. Sentado. Meu sogro já foi sócio do restaurante. Então, todo mundo já sabe que é o Abel ali, né? Pô, eu tenho 45 anos de Leblon. Então, já tem que ter o respeitozinho. Mas, tem coisa que incomoda também. Já fui pra lugar que era absolutamente tranquilo e me incomodar, entendeu? Me incomodar, me chatear. Nunca deu confusão.
Eu digo de viajar. Vou assumir um clube em outro país, vou levar a família inteira para lá para morar lá ou não vou levar?
- Sempre levei. A única coisa que fizeram uma observação comigo foi quando eu fui para Marseille. Aí, eu fiquei no hotel à beira do mar e tal. Amanhã vem fulano aqui te pegar tal hora para te levar para ver casa, apartamento, beleza? Aí, o cara pegou e anda e eu estou vendo que nós estamos saindo de Marseille. François, está me levando pra onde cara? Vamos ver a casa. Mas por que tão longe? Ele falou assim: quem trabalha no Marseille, não mora em Marseille. Eu entendi. Mas daí eu falei: pô, será que é isso tudo? Esquece porque é loucura, entendeu? Porque é torcida, é máfia. Aquilo tudo é um negócio.
- Eu tenho uma história fantástica lá, que eu entrei no restaurante. Bati na porta. Aí, vieram abrir a porta. Foi depois do jogo. Pedi ao capitão do time. Falei: Patrick, pô, quero jantar com a minha mulher agora. Porque depois do jogo em Marseille. Sempre depois do jogo, no Paris Saint-Germain tem uma recepção em cima: champagne... ganhou, perdeu, aquele negócio. Aí, eu falei: eu não vou subir hoje não, cara. O Patrick, eu quero jantar. Tarde, né? Já era 9 e tal. Aí ele falou assim: vai num assim e assim. Fui. Cheguei lá, não tinha placa nenhuma, vi gente dentro. Aí fiquei com a minha mulher esperando. Eu e ela só. O cara veio, o garçom. Monsieur, pá, pá, pá, pá, pá, pá. Não. Está fechado. Aí, eu falei, tá bom, obrigado. Eu morava em ..., depois de Aix-en-Provence. Aí falei... virei as costas. Monsieur, o cara abriu. Vem. Eu falei, pô, legal. Muito obrigado! Eu com a minha mulher. Vai ser rápido. Pedi um vinho, comemos uma carne e tal, comemos uma carne. Tranquilo, sem pressa. “L'addition, s’il vous plait”. Pode ir embora. Tá pago. O pessoal ali pagou. Aí passei, né? Boa noite e tal. Muito obrigado pela gentileza, tal, tal, fui embora. No dia seguinte, no treino, o Patrick, capitão: e o jantar? Eu falei: aconteceu isso. Não, eu sei. Tava bom? Só pedi uma carne. Não pagou, né? Falei: não, pagaram. Falou: eu sei, meus amigos da máfia. Cara, tu não diz. Bem-vestido, cara.
Esse era um dirigente que veio falar com você?
- Não, não. Patrick Blondeau é capitão do time. Capitão do time. Ele me indicou o restaurante ligado aos caras. Ô meu amigo, aquele que era o chefe lá que morreu na Champs-Élysées, em frente a uma agência de viagens, que era o chefe lá de Marseille. Três dias sem treino. Só pra tu ter ideia. Não tem treino. Todo mundo no velório. Loucura cara.