Natural de Sombrio, no extremo sul de Santa Catarina, João Manoel superou o preconceito e as dificuldades causadas por uma deficiência auditiva para alcançar o sonho de defender a Seleção Brasileira de futebol de surdos. Depois de passagens nas categorias de base de clubes como Avaí, Criciúma e Vasco, o atleta de 26 anos foi convocado para disputar a Surdolimpíadas de Verão 2025, no Japão.
João começou a dar os primeiros dribles no Casa Lar, uma organização não governamental de acolhimento para crianças e adolescentes em Araranguá. Depois, passou pelas categorias de base de Novo Hamburgo, Inter de Lages, Avaí, Criciúma e Vasco, além de duas temporadas no Torreense, na 2ª divisão do futebol português.
— Nas bases eu não conseguia me adaptar, os treinadores não tinham a paciência que eu precisava que tivessem. Eles até falavam "Tu joga muito, mas não me escuta!" e eu respondia que não escutava não por vontade própria, mas por ser deficiente auditivo. Hoje eu uso um implante coclear, boto uma faixa na cabeça pra jogar futebol. Mas na época não tinha isso. Eu precisava usar o aparelho normal, mas estragava com suor e eu jogava sem escutar nada. Eu sabia falar, e eles pensavam que, se eu sabia falar, eu sabia ouvir — relembra.
Os momentos na base foram marcados por solidão e situações difíceis com outros jovens que dividiam campo, vestiário e dormitórios. O bullying sofrido deixou marcas e fez João desistir, por um período, de seguir em Florianópolis.
— Eu liguei pra minha mãe e disse "Não quero mais jogar no Avaí, porque eles estão me zoando, vou morar perto da mãe". Fui para o Criciúma, onde fiquei dois anos antes de ser dispensado — conta.
A carreira seguiu com passagens pela Série D, defendendo o Inter de Lages, e oito meses no Vasco, em 2017, no Sub-19, em busca de um contrato profissional. Depois, tentou o acesso à elite portuguesa, sem sucesso. Ao voltar ao Brasil, tomou a decisão de abandonar o futebol tradicional.
João Manoel ficou dois anos afastado do esporte até que, por meio de um amigo, Kauê Raupp — também integrante da Seleção Brasileira de Surdos —, conheceu o futebol surdo, modalidade em que finalmente se sentiu em igualdade com os outros atletas.
Kauê indicou João para uma seletiva em São Paulo, realizada em duas etapas. Ele conquistou a vaga entre os 30 melhores e, depois, entre os 23 convocados para disputar a Surdolimpíadas de Verão 2025, no Japão, entre 15 e 26 de novembro.
— Vestir a camisa da seleção brasileira é um sonho de qualquer atleta, e comigo não é diferente. Representar o país em uma competição internacional traz orgulho e responsabilidade. Estou focado em dar o meu melhor, contribuir com o grupo e buscar o melhor resultado possível para o Brasil — complementa João Manoel.
O evento reunirá cerca de 80 países, com mais de 6 mil atletas, distribuídos em 21 modalidades esportivas. Agora, o novo desafio de João é custear a passagem para o Japão, já que esse é um dos requisitos da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos para participar da competição. Para isso, está fazendo rifas online e divulgando por meio das redes sociais.
O futebol de surdos tem as mesmas regras do futebol convencional, mas sem uso de apitos sonoros, apenas sinalizações visuais pela arbitragem, comissão técnica e atletas em campo.