Um clássico se torna grandioso quando o cronista para e pensa qual seria a melhor abertura para o seu texto. O jogo de ontem à noite, no Engenhão, teve histórias para lambuzar a mente de quem gosta de contá-las. Partida multi-facetada, que teve cara rubro-negra, sotaque pernambucano, um incrível quase-gol, duelos em alto nível, rivalidade na dose certa. Ninguém jogou tão mal. Ninguém jogou tão bem. Foi um jogo igual. Nos erros, nos acertos, no cruzamento cruel com o imponderável. O Vasco ganhou porque foi mais competente ao fugir da Lei de Deivid e não ficar no quase no momento chave. Teve chances, como os rubro-negros, mas as duas que se ofereceram na cara de Felipe foram convertidas. Numa guerra, não se joga munição fora. É preciso ser certeiro. A frieza de Alecsandro, no primeiro gol, e de Diego Souza, no momento fatal, levaram o Vasco à final da Taça Guanabara, coroou a cumplicidade de um grupo de jogadores profissionais, cascudos e comprometidos com o clube e, de quebra, varreu para longe de São Januário traumas que tiravam a paz na Colina.
O Vasco teve uma noite de caça-fantasmas no Engenhão. E teve algo que lhe faltou nos últimos anos. A tal da sorte desta vez ajudou. Muito embora seja sórdido para quem ganhou resumir o resultado final do jogo ao gol perdido por Deivid. Foi realmente impressionante. Talvez o gol mais perdido de todos os tempos. Aquele que você dirá que faria. Sem goleiro, quase na linha do gol, o centroavante bate de tornozelo e acerta a trave. Não será instantâneo, mas a passagem de Deivid na Gávea será abreviada. A marca do lance é forte. O desfecho, patético. As lembranças, dolorosas. Será difícil para ele se livrar do peso.
Jogo igual, repito. Fla melhor no início, com marcação adiantada, postura agressiva e anulando os lados do Vasco. Aos 3 minutos, Nilton erra no posicionamento, Love dribla Fagner e bate de fora da área. Belo gol. Desarticulação cruzamaltina. Mas os rubro-negros não souberam aproveitar o momento de desconforto do rival. Até que Juninho Pernambucano pôs a bola debaixo do braço e, mais do que jogar, decidiu organizar o time. A partida mudou. JP foi cerebral. Nas ações, nos gestos e na postura. Aos 14 minutos, bateu de fora da área. Felipe solta (ou falha) e Alecsandro (nove gols em nove jogos), o centroavante que os vascaínos tanto desprezam, empatou.
O resto do primeiro tempo foi incrível. Lance de ambos os lados. Goleiros em ação. Respiração difícil para quem via, torcia, jogava e comandava. Segundo tempo. Menos velocidade, mais paciência. Assim mesmo, ambos atacavam. Vasco melhor nos 10 primeiros minutos. Fla melhor até os 25. Bottinelli no lugar de Deivid (óbvio, Joel Santana) melhorou o Fla. Felipe foi experiente, mas não deu o mesmo ritmo de JP. Porém o Vasco equilibrou o jogo nas subidas de Fagner e Feltri. Leo Moura também sai e o Fla perdia seu melhor jogador.
Estava claro que quem fizesse o gol venceria. Não haveria uma segunda chance. Até que vem o cruzamento do improvável Kim. Fagner aparece de cabeça como um improvável centroavante. E Diego Souza, mal no primeiro tempo, experiente no segundo, marcava, no rebote, seu quarto gol na temporada, terceiro de cabeça. Não era um herói improvável. Diego Souza gosta de ganhar. Esse é um mérito do Vasco 2011/2012. Pode não ser uma máquina, mas juntou um grupo de boleiros que gostam de ganhar e não se conformam com a derrota, como o vergonhoso Vasco-2008.
Fica para Joel Santana a certeza de que seu time está mal escalado. Ronaldinho Gaúcho, péssima partida, não pode ser o único armador. Não tem jogado para isso. E Renato Abreu não justifica mesmo sua escalação. Jogando meio gomo de bola a mais, Bottinelli merece lugar no time. Até concordo com o treinador que o Fla não jogou mal. Mas também não jogou tão bem. Se ele acha isso suficiente, é uma questão de perspectiva. Antes que me perguntem, achei, sim, pênalti de Feltri em Leo Moura.
Para o Vasco, a obrigação de torcedores e dirigentes é valorizar, reverenciar e prestar continência a um grupo de jogadores que respeita e honra a camisa. Time que ganhou a Copa do Brasil, brigou até a última rodada pelo título do Brasil, ganhou quatro dos últimos cinco clássicos e pôs fim a um aguardado tabu contra o maior rival. Mesmo se não ganhar a Taça GB, o time de Cristóvão Borges, Ricardo Gomes, Juninho Pernambucano, Dedé (que atuação e que belo duelo contra Vagner Love!), Alecsandro, Felipe & Cia merecerá o respeito de quem sabe a revolução de costumes que impetrou em São Januário. São caça-fantasmas, responsáveis pela retomada da palavra vitória na alma vascaína. Merecem respeito
Mais lidas