Titular absoluto do Vasco, vice-artilheiro do time na Série B e convocado para a seleção olímpica que disputará os Jogos do Rio de Janeiro em 2016. Quem vê Luan atualmente pensa que o zagueiro cruz-maltino teve trajetória tranquila até aqui. Mas o defensor, sempre tratado como joia na base de São Januário, teve momentos de dúvida: precisou de uma conversa franca para que fosse promovido de vez ao elenco profissional, em 2012. Depois disso, engrenou no clube até conhecer um treinador com o qual se identificaria. Desde que foi capitão da seleção que disputou o Pan-Americano de 2015, Luan virou aluno de Rogério Micale.
- Foi diferente porque eu nunca tinha trabalhado com um treinador tão ousado quanto ele. Um cara que confia muito na sua equipe, no seu esquema. Independentemente de jogar contra Alemanha ou Argentina, ele vai manter o mesmo esquema. Ele não vai mudar. Eles que têm que mudar o esquema para jogar contra nós. Isso foi uma coisa nova para mim - contou o zagueiro.
Luan conversou com a reportagem do GloboEsporte.com numa sala de aula no Colégio Vasco da Gama, aonde chegou adolescente, vindo do Espírito Santo, há 10 anos. Lembrou momentos da carreira, a referência de grandes zagueiros do passado e do presente (de Dedé a Rodrigo, passando por Ricardo Gomes, Mauro Galvão e Adilson Batista) e contou o estilo técnico que conquistou a torcida do Vasco e o treinador Micale, fã de zagueiro que pensa o jogo. Respondeu até a um quiz com perguntas sobre o futebol masculino nos Jogos, e foi relativamente bem: acertou três das cinco questões.
Confira a entrevista na íntegra:
GloboEsporte.com: No seu segundo jogo como profissional, o Vasco sofreu goleada de 4 a 0 para o Bahia e você deixou o campo chorando. Olhando para trás e vendo essa chance que você tem hoje na olimpíada, o que passa pela sua cabeça?
Luan: Foi dentro de São Januário, o estádio não estava vazio e a gente tomou goleada. Foi um dos piores dias da minha vida no futebol, mas um dia que aprendi bastante. É legal ver que vida não é só vitória, não é só mar de rosas. Eu estava ali curtindo muito os primeiros momentos como profissional e logo tem um baque desse. Estava treinando muito bem. Lembro que o Cristóvão estava me elogiando nos treinos. O Eder Luis me chamou dias antes e falou: “Você tá treinando muito bem, continue assim que as coisas vão acontecer para você." Pensei: "Que legal que as pessoas estão vendo." O Cristóvão me chamou e falou: “Você vai jogar. Está muito bem, crescendo demais.” Estava feliz, super tranquilo, mas deu no que deu. A gente está tão confiante, e as coisas não saem como esperado. Não foi só eu que joguei mal, nosso time todo foi mal. Serviu de aprendizado, mas não foi uma experiência muito bacana.
Você só jogou de zagueiro na base? No profissional, chegou a jogar de lateral.
Eu jogava de zagueiro e volante na base. Mais zagueiro que volante. Subi e surgiu essa brecha no profissional. Cristóvão me chamou e falou que eu ia jogar de lateral. Como vou dizer não? Não tem como, fiquei muito feliz, era a maior oportunidade da minha vida. Entrei, fui bem e as pessoas viram que podiam contar comigo. De volante até hoje eu jogo, como contra o Londrina. Contra o Brasil de Pelotas eu ia jogar no segundo tempo, mas o Jorginho não conseguiu comunicar ao Zinho (Jorginho estava suspenso e o auxiliar ficou no banco de reservas).
Você faz lançamentos, sai jogando. Chegou a receber críticas na base por isso?
Sempre mesclei um pouco isso. Na hora que tenho que chegar duro, dar chutão, eu vou dar. Quando tenho condição de começar o jogo, construir a jogada, não vou abrir mão disso para devolver a bola para o adversário. Acho que isso é minha maior virtude, gosto de ficar com a bola, não de carregar, sou zagueiro e tenho que fazer a bola andar rápido. Mas não posso me desfazer da bola e sim devo tentar começar a criar as jogadas do nosso time.
Isso é algo que o Micale também preza muito.
Ele gosta dessa coisa do zagueiro iniciar o jogo, arriscar o passe, mas sempre com responsabilidade. O jogador brasileiro tem ginga, talento, a gente não pode desperdiçar isso. Ele fala: “Luan, você tem bom passe, está com a bola no seu pé. O que é mais fácil: você achar o companheiro em melhor posição ou devolver a bola para o adversário? É difícil demais ficar com a bola, então é muito melhor ter a bola do que correr atrás. É uma coisa que o Micale pensa, é legal. Essa coisa de jogar em linha alta, pressionar o tempo inteiro. É muito bom desde que os nossos atacantes pressionem. Se o adversário está em linha alta e os atacantes me deixam jogar, sendo que eu tenho Neymar, Gabriel Jesus, Gabigol, só vou levantar a bola nas costas da zaga deles. Depende muito de treinamento e de conceito, mas o que o Micale faz é isso. Nunca deixa nossa linha subir sem que nosso ataque não pressione. A gente vai ter tempo para treinar, conheço pouco dele, mas já deu para pegar. Eu já joguei contra o Micale na base também.
E como era enfrentá-lo na base?
Era chato, porque é uma coisa nova para o Brasil. Os treinadores brasileiros não trabalham assim. Jorginho é um cara mais esclarecido, não gosta que a gente (zaga) jogue com a bunda lá atrás, ele gosta que jogue no meio-campo com pressão, mas ninguém consegue jogar 90 minutos pressionando outra equipe, é muito difícil. Jogar contra o Micale é sempre muito difícil. Minha característica é conseguir jogar, e eu não conseguia, porque o atacante dele estava sempre em cima de mim. Para isso você tem que fazer movimentações para ficar sozinho, só que a gente (Vasco) não tinha isso.
Durante a preparação para o Pan-Americano de 2015 você trabalhou pela primeira vez com o Micale. Te surpreendeu?
Foi diferente porque eu nunca tinha trabalhado com um treinador tão ousado quanto ele é. Um cara que confia muito na sua equipe, no seu esquema. Independentemente de jogar contra Alemanha ou Argentina, ele vai manter o mesmo esquema de jogo. Ele não vai mudar. Eles que têm que mudar o esquema para jogar contra nós. Isso foi uma coisa nova para mim. Não é só no Vasco, em todos os lugares. Nunca tinha visto um treinador que trabalhava dessa forma, na Europa a gente vê muito isso, mas para conseguir fazer isso tem que estar muito bem fisicamente, seu time tem que estar alinhadinho, porque se um cara der mole... Mas não penso nisso comparando ao Vasco. Tudo que sei e aprendi, eu devo ao Vasco e às pessoas que trabalharam na base, mas quando você vai amadurecendo, aprende também. Quando fui para a seleção com o Ney Franco, aprendi demais, é um cara sensacional, gosta de jogador que joga, não é aquela coisa de “Luan, se a bola bater no seu pé, rebate do outro lado.” Já fui instruído assim aqui no Vasco outras vezes. Vamos supor, estamos jogando contra o Corinthians, time que pressiona bastante. (E diziam:) "A bola bateu no seu pé, faz a ligação direta para o nosso centroavante brigar lá na frente." Eu particularmente não concordo com isso. A gente não pode se acovardar na casa do adversário. Esse é meu pensamento.
Você talvez tenha demorado mais para jogar do que algumas pessoas apostavam. Uma delas, o Dedé, que foi ídolo no Vasco. Ele disse que você seria o sucessor...
Ele sempre gostou muito de mim, antes do meu futebol. A gente começou a se dar muito bem. Nas primeiras vezes que treinei no profissional era só pra completar, fiquei três dias seguidos treinando com ele. Ele não queria me deixar descer. O Dedé, cara! Tinha Juninho, Felipe, mas no momento ele era o maior ídolo. Ele estava fazendo a diferença. E o cara falou assim: "Deixa o moleque treinar, ele tem condições." Ele foi uma pessoa que me ajudou muito.
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