O Vasco, que começa a disputar contra o Corinthians o título da Copa do Brasil nesta quarta-feira, terá uma torcida especial nos becos e vielas da favela do Real Parque, na beira da Marginal Pinheiros. A comunidade da Zona Oeste de São Paulo abriga centenas de Pankararus, etnia de Cauan Barros.
O jovem volante vascaíno, peça essencial no time de Fernando Diniz, é motivo de orgulho desse povo indígena que começou a migrar do sertão de Pernambuco no início dos anos 40 e se estabeleceu na periferia da maior metrópole da América Latina.
Hoje em dia, estima-se que 190 famílias de Pankararus vivem espalhados pela cidade de São Paulo, a maioria situada no Real Parque. Até hoje o lugar é popularmente conhecido como Favela da Mandioca por causa das antigas plantações dos indígenas. O ge foi até o local na terça-feira, véspera da primeira partida da final da Copa do Brasil entre Corinthians e Vasco.
Edcarlos Pereira do Nascimento, o Carlinhos, primo de Cauan Barros, guiou a visita da reportagem pela comunidade. Faz tempo que ele não encontra o parente famoso. Na última tentativa, na histórica goleada do Vasco sobre o Santos, ele não conseguiu acessar o Morumbis, e os dois acabaram se desencontrando.
"Ele vem mostrando o potencial dos indígenas. A gente tem muito potencial, só faltam mais oportunidades. Ele vem voando, muito mérito dele por lutar, ser um menino guerreiro", disse Carlinhos sobre o primo.
- Ele nos representa dentro de campo, levando nossa cultura e nossa essência. E isso nos fortalece cada vez mais, por isso que a gente está sempre prestigiando ele pelas telas - completou.
Originários da terra indígena demarcada entre as cidades pernambucanas de Tacaratu e Petrolândia, às margens do Rio São Francisco, os muitos Pankararus foram para São Paulo para fugir dos conflitos com posseiros e também para buscar oportunidades de emprego. A maior parte foi lançada na construção civil e ajudou a construir, por exemplo, o Palácio dos Bandeirantes e o estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbis.
Por coincidência, foi no estádio erguido por mãos pankararus que Cauan Barros fez seu primeiro gol como jogador profissional. Em 2023, ele marcou na derrota do Vasco por 4 a 2 para o São Paulo, pelo Brasileirão. Veja:
Indígenas de contexto urbano, por viverem em casas e apartamentos, os Pankararus do Real Parque não são menos indígenas do que aqueles que vivem em aldeias. Carlinhos fez questão de vestir seu cocar para conversar com a reportagem do ge e não conseguiu disfarçar o sorriso quando o filho mais velho correu no quarto para pegar o maracá, uma espécie de chocalho.
Na casa da Maria Lídia da Silva, a Tia Lídia, a imagem de um Praiá recebe os visitantes logo na entrada e espalha proteção. O Praiá, com seus trajes de palha, é uma figura central da religiosidade dos Pankararus.
O ge acompanhou um dos cantos tradicionais da comunidade indígena. Tia Lídia é uma cuidadora de mão cheia: ela cuida da proteção espiritual dos Pankararus e também trabalha como agente de saúde no postinho da favela.
Presidente da Associação SOS Comunidade Indígena Pankararu, Clarice Pankararu explicou um dos principais desafios é a falta de um lugar que eles possam chamar de seu. Eles estão espalhados pelo Real Parque e outra regiões próximas, como Paraisópolis e Campo Limpo, mas não têm onde se reunir em São Paulo para praticar suas tradições.
- A gente não tem estrutura para receber nossos parentes, por exemplo. Não temos um espaço grande para fazer atividade com as nossas crianças, oficina com as crianças, artesanato, cerâmica. Estamos há muito tempo nesse território, mas não temos um espaço para chamar de nosso - afirmou.
Ela tem notado um número cada vez maior de jovens Pankararus que saem da aldeia em Pernambuco e vão para São Paulo em busca de estudo. Mas conta que eles ainda são uma comunidade que vive essencialmente da construção civil.
- Outro dia alguém falou "ah que os Pankararus lá atrás vieram e trabalharam na construção...". Os Pankararus trabalham até hoje construindo e levantando essa cidade, esses prédios enormes. Eles estão aqui até hoje, as mulheres até hoje trabalham em casas de família. São poucos Pankararus que têm graduação, uma Pós. A gente olha muito para trás, mas essa realidade continua até hoje - finalizou.
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