“É meu orgulho, meu xodozinho, meu peixinho dourado. Ele gosta de nadar e nada bem”. As palavras mostram o sentimento de uma avó que viu o neto encontrar nas piscinas o caminho para lidar com as dificuldades da vida. Simone Campos foi a responsável por matricular Luan Felipe, então com 11 anos, na natação do Vasco. Hoje aos 13, o menino continua firme nos treinos e já começa a acumular bons resultados no esporte. Em julho, conquistou quatro medalhas – três ouros e uma prata – no Meeting organizado pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) no Rio de Janeiro.
Para entender a história de Luan, é preciso voltar a 2019. No Carnaval, o menino estava dentro de uma van e acabou atingido por dois tiros, disparados por um policial que tentava separar uma briga de rua no Méier, bairro da Zona Norte carioca. As balas causaram lesão na medula, e o garoto, aos 7 anos, perdeu os movimentos da cintura para baixo. Passou por cirurgias e ainda recebe acompanhamento médico. Nas consultas, inclusive, surgiu a orientação de buscar uma atividade física.
Quando Simone procurou a natação do Vasco, porém, Luan ofereceu resistência. O menino mal saía do quarto e evitava contato com outras pessoas.
– Eu não estava com cabeça para isso. O intuito não era nem competir. Ia entrar no Vasco só para me ajudar na recuperação física, porque a natação faz bem para a coluna. Aí acabou que comecei a competir, e foi bom. Gostei – conta Luan, em entrevista ao Globo Esporte.
Depois de um primeiro contato positivo, o encanto pelas piscinas tem aumentado cada vez mais e consolidado uma transformação profunda na vida de Luan.
– Quando eu entrei na natação, fiquei mais feliz. Tenho algo para ocupar a mente, não pensar em coisas ruins. Isso daqui me trouxe alegria de verdade. Cheguei a lugares que nunca pensei. Eu não tinha interesse em ir a São Paulo, por exemplo. Fui a primeira vez, para competir, e agora quero voltar todos os anos – diz o jovem.
A mudança de comportamento também foi percebida por Simone. A avó relata que aquele menino trancado no quarto, sempre com a luz apagada, não existe mais. Luan voltou a sair com os amigos para soltar pipa e jogar futebol, além de interagir melhor com a família.
– Ele foge de casa, e nós temos que ir atrás para trazê-lo de volta – brinca Simone.
O futuro no esporte
Na casa onde vive, no Rio de Janeiro, Luan tem um canto reservado para as medalhas que conquistou. Antes de perder o movimento das pernas e começar na natação, o menino foi atleta de jiu-jítsu, também colecionando vitórias no mundo da luta.
Agora totalmente dedicado às piscinas, Luan tem participado de torneios escolares – além de outras competições pontuais, como o Meeting do CPB no Rio, que reuniu jovens de diferentes idades. O menino já sabe em quem se inspirar na natação. Diz que a grande referência é Gabriel Araújo, o Gabrielzinho, dono de seis medalhas paralímpicas (cinco ouros).
No que depender da empolgação ao falar, Luan realmente vai honrar o legado do ídolo e ser presença constante em pódios.
– Estou querendo ir para fora do estado do Rio, fora do país. Essa é minha meta. Focar bastante nos treinos e ir para cima, ganhar bastante medalha – garante o nadador.
Livia Prates, coordenadora de esportes paralímpicos do Vasco e técnica da seleção brasileira paralímpica de natação, é uma das profissionais que acompanham a evolução de Luan. Ela ressalta que o jovem ainda enfrentará vários desafios até se tornar um atleta de sucesso em competições adultas, mas tem características que o aproximam de vitórias.
– O Luan é muito dedicado e focado nos objetivos. Tem uma força, uma vontade de estar incluído, de se fazer presente. Ele chegou ainda na escolinha, na piscina rasa. Aprendeu rápido os fundamentos, e o colocamos nas raias fundas muito cedo. Já foi às Paralimpíadas Escolares, que requerem um índice mínimo para participação. Realmente mostra uma determinação muito grande para estar nesse tipo de evento – comentou Livia.
Com uma longa trajetória pela frente, Luan quer construir novas memórias. Mas, ganhando ou perdendo, não tira o sorriso do rosto:
– Já posso dizer que sou um menino realizado.
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