Opinião: "A lenta e competente reconstrução de um clube"

O bom mesmo é poder olhar com admiração para este momento de reação do Vasco sem qualquer restrição de consciência. Não há mais aquela figura dominante, com seus suspensórios e um permanente charuto à mão, circulando pelo clube com indisfarçável prepotência, pressionando adversários e imprensa, cercado de seguranças e agindo como se não tivesse de dar satisfações a ninguém. Dominou tanto que arrasou com a imagem do clube. Foi a primeira e dura missão do ex-jogador Roberto Dinamite ao vencer a eleição. Teve de reconstruir o clube, peça por peça, recuperar a imagem do Vasco e mostrar que os métodos arcaicos de antes não fariam falta.

Entre tropeços, queda para a Série B e crise financeira, Roberto cercou-se de auxiliares competentes. O Maracanã lotado por 79,4 mil pessoas no jogo contra o Ipatinga (foto), muitas delas reunidas como se estivessem em uma animada reunião familiar, orgulhosas, foi a resposta de Roberto. O Vasco vive seu melhor momento - e sem os gases venenosos provocados pelas baforadas.

Depois da queda para a Série B (ele pegou o clube devastado), Roberto decidiu que estava na hora de começar tudo de novo. Buscou então os líderes do trabalho - e escolheu bem. Levou do Grêmio o executivo Rodrigo Caetano, profundo conhecedor de categorias de base, dono de uma agenda poderosa e vocacionado para a administração profissional. Rodrigo valorizou e reaproximou a base do time principal. Roberto deu o comando do futebol a homens discretos e competentes, contratou o técnico Dorival Júnior e mostrou a eles os objetivos. A partir daí, foi para a sala da presidência, cuidar do clube e da reorganização institucional - o que não é pouco. Quando Rodrigo e Dorival assumiram, viram que a crise era pior do que se pensava.

Pelos relatórios oficiais, o clube teria uma dívida pouco superior a R$ 100 milhões. Os dados não resistiram às auditorias. O total pulou para R$ 378 milhões. O Vasco é o clube mais endividado do país. Toda a renda de TV de 2009 fora comprometida pela administração anterior. No campo, Dorival tinha apenas cinco jogadores à disposição. Seria preciso montar um novo grupo, sem dinheiro, sem patrocinador e ainda com pouco crédito. Rodrigo e Dorival partiram para a luta, então, e em pouco tempo conseguiram 30 jogadores. Fizeram contratos de médio prazo, estabeleceram uma espécie de processo seletivo e contaram, acima de tudo, com a solidariedade de alguns clubes. \"Muitos nos emprestaram jogadores de graça\", lembra Rodrigo, hoje talvez o nome de executivo de futebol mais citado pela imprensa carioca. Um dos clubes foi o Inter, que cedeu três jogadores, entre eles o lateral-esquerdo Ramon, um dos destaques da campanha na Série B.

Aos poucos, tudo se normalizou. A folha salarial de R$ 1,1 milhão é paga sem atrasos, o Vasco conseguiu patrocínio, uma boa fornecedora de material esportivo e hoje já planeja seu futuro. Se a volta para a Série A for confirmada, como tudo indica, o clube contratará pelo menos seis grandes reforços - nada difícil para quem que recuperou sua autoestima - e prepara a construção de um moderno centro de treinamentos. Assumiu a dianteira no devastado futebol carioca e hoje é considerado exemplo para os rivais do Rio. Só um clube com a imagem definitivamente recuperada seria capaz de encarar o desafio de marcar um jogo contra o Ipatinga para o Maracanã, na semana de seus 111 anos, sem medo de um eventual vexame, certo de que a torcida daria a resposta. Ela deu e estabeleceu o recorde de público em todas as séries do futebol brasileiro. Da Série B, um recorde histórico.

O Vasco atual é um alívio para todos aqueles que sempre apostaram na competência e no profissionalismo no futebol, sem espaço para bravatas e derrapagens na ética. Os escândalos e confrontos ficaram no passado. Roberto está devolvendo ao país um de seus clubes mais tradicionais. A história do futebol nacional passa, obrigatoriamente, por São Januário. E é bom saber que o ambiente está despoluído, como o alegre Maracanã superlotado mostrou. Não há mais a fumaça dos charutos por lá.

Agradecemos ao leitor Antônio Brun pelo envio da matéria.

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