Confiança nunca faltou a Romário. Mais que isso, o craque sonhava exatamente como faria seus gols antes de marcá-los - e ainda contava para quem quisesse ouvir. Um ex-companheiro de quarto do "Baixinho" dos tempos de Vasco, ainda nos anos 80, não esquece as premonições do atacante.
"Ele acordava às vezes e falava: ‘hoje vou fazer um gol assim'. Chegava no Maracanã e fazia. Era impressionante. Não esqueço, uma vez ele falou que ia dar um lençol no Zé Carlos e fazer um gol no Flamengo", contou Paulo César Gusmão, ex-goleiro e atualmente treinador, ao ESPN.com.br.
E o resultado foi o esperado: chapéu no goleiro rubro-negro e redes balançando no primeiro jogo da final do Carioca de 1988, vencido pelo Vasco por 2 a 1.
"Ele ainda tirava onda. Aí, PC, não falei que ia fazer?", brinca o ex-arqueiro. "Na comemoração do gol, ele correu para o banco de reservas gritando: 'Falei para você, não falei?'".
Para o carioca de 55 anos, a confiança e a malandragem de Romário não apareciam por acaso.
"Isso era uma preparação mental que ele tinha. Não era um sonho, ele fixava naquilo que ele queria. Ia lá e resolvia. Era um cara predestinado", afirma Paulo César, antes de lembrar que o baixinho também previu que seria artilheiro da Olimpíada de 88.
Depois dos Jogos de Seul, o homem dos 1000 gols foi vendido ao PSV, da Holanda, dando início a uma carreira de sucesso na Europa.
Fez trabalho de faculdade do Baixinho
Paulo César Gusmão fez carreira como goleiro de equipes como Vasco e Botafogo antes de pendurar as luvas em 1991. No começo dos anos 80, ele se formou em educação física e chegou a trabalhar como professor de escola pública e instrutor de musculação em academias.
"O Adílio era meu colega de sala. Em 1981, o Flamengo campeão do mundo, como ele ia estudar? Todo trabalho da faculdade o Adílio me pedia para colocar o nome dele", diverte-se o treinador, que dirigiu o Madureira durante o Carioca deste ano.
Romário foi outro jogador que se beneficiou muito das habilidades acadêmicas de PC Gusmão. Eles viraram parceiro de quartos quando o "Baixinho" cursava edudação física, em 1988.
"O Paulo Angioni [então gerente de futebol] me pediu para ajudar a fazer os trabalhos da faculdade do Romário. No começo eu ajudava, mas no final ele não fazia nada. Quem fazia os trabalhos dele era eu", recorda com bom-humor.
"Ele falava: 'Pô peixe, segura aí, faz para mim'", conta, aos risos. "Ele ia nas aulas quando dava, porque o Vasco viajava muitas vezes".Além de não ser muito fã dos estudos, Romário também não gostava de dormir cedo. Quando era companheiro de quarto de PC Gusmão, tinha uma insônia pesada e costumava acordar só na hora do almoço.
"A gente se concentrava num flat chamado Barra Beach e tinha quarto e sala. Ele falava: 'Eu vou ficar na sala vendo televisão'. E só dormia quando clareava o dia. Ia acordar na hora do almoço e acabava não tomando nem o café da manhã", relembra.
Em 1999, Romário fez gol, e Fla venceu Sport em plena Ilha do Retiro; relembre
Os amigos voltariam a trabalhar juntos novamente no Flamengo, em 1995. PC era preparador de goleiros do Flamengo e chegou a assumiu o clube rubro-negro por duas partidas após a demissão de Edinho. "Foi um dos jogadores que mais batalhou para eu assumir como treinador", diz.
Entretanto, a vontade de Gusmão naquele ano era continuar como preparador de goleiros no time do "melhor ataque do mundo".
"Veio Romário, Sávio e Edmundo me pedir. Eu disse: ‘De forma alguma, o primeiro jogo que as coisas derem errado, vocês virão para cima de mim'. Eu tinha o objetivo de chegar como preparador de goleiros da seleção brasileira".
Deslanchou sem concentração
Após sair da função de preparador de goleiros e virar auxiliar técnico por algum tempo, PC Gusmão resolveu finalmente virar treinador. Em 2001, ele comandou Romário no Vasco, que vivia uma grande crise financeira.
"O Eurico me passou que não teria concentração para os jogos em casa. Nem iríamos almoçar no clube, o time iria se apresentar duas horas antes (das partidas) em São Januário. Era tudo que o Romário queria".
"Na Europa não tinha nada disso, ele estava de saco cheio de concentrar. Depois que acabou a concentração, ele deslanchou na artilharia. Era um gol atrás do outro! Pode até ter sido uma coincidência, mas ele sempre brigava por isso (risos)", relembra.
Mesmo aos 39 anos, o "Baixinho" superou concorrentes mais jovens e marcou 22 vezes durante a competição.
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