Seja alguém na multidão
Pesquisador carioca escreve livro sobre o Pai Santana, célebre massagista do Vasco
Vascaíno de nascença, nascido em Olaria (na borda do Complexo do Alemão), autor do livro Poesia revoltada, sobre a cena hip-hop do país, e criador da FLUP-Festa Literária das Periferias, um dos mais importantes festivais literários do país, Ecio Salles agora pesquisa a vida e a história do célebre massagista do Gigante da Colina, Pai Santana. Para se viabilizar, o projeto, intitulado Seja alguém na multidão está o dia 20 de agosto em uma página de Financiamento Coletivo. Quem quiser colaborar, basta conferir em: www.benfeitoria.com/paisantana.
Nesta entrevista ele conversa com o Programa Fala Vascaíno e conta um pouco de como será o livro sobre o Amuleto Eterno do Vasco.
Programa Fala Vascaíno: Por que escolher como tema central do seu livro a vida e a história de Pai Santana?
Eu comecei a frequentar jogos do Vasco muito cedo. Meu pai me levava ao estádio desde que eu tinha sete ou oito anos. Já nessa época, lá pelo fim dos anos 70, a figura do Pai Santana me impressionava. Mais tarde, quando comecei a andar sozinho pela cidade, a reconhecê-la e me reconhecer nela, entendi que o massagista que imantava a torcida no estádio é também um personagem referência desta mesma cidade. Ele sintetiza vários de seus melhores aspectos: o futebol, o carnaval, as religiosidades afro-brasileiras, os subúrbios – ele morou no São Carlos/Estácio, no Morro São José de Madureira, em Jacarepaguá, em Benfica – e as artes e estratégias de sobrevivência e afirmação de negros e pobres no país. E porque ele é um ídolo vascaíno, representativo dos melhores legados do Vasco para o esporte e a cultura no Brasil. Durante a pesquisa, vi que nos anos 70 ele era o centro das atenções da colônia de férias do Vasco, que era concorridíssima, e organizou um concurso de slogans sobre o Vasco que mobilizou gente, especialmente crianças e jovens, do Brasil inteiro. Eu não tenho dúvidas de que ele deu uma contribuição importante para a consolidação do Vasco como uma paixão nacional.
PFV: Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre ele?
Conversava com um amigo, Reinaldo, que já conhecia de algum tempo, quando ele revelou ser filho do Pai Santana. Minha surpresa logo deu lugar a uma animação que ficou adormecida por algum tempo. Até encontrar um escritor a quem admiro muito, Alberto Mussa, que, ao saber da ideia ainda um tanto embrionária, me incentivou de uma forma que não poderia ter outro resultado. Comecei naquele dia mesmo uma busca desenfreada na Internet, pra ver se já tinham publicado algum sobre o Santana. Descobri que não e, além disso, vi que poderia haver muitas histórias interessantes por trás das poucas (considerando o tamanho da personagem) notícias que encontrei. E assim foi.
PFV: Você se surpreendeu ao buscar com parentes, amigos e torcedores fatos inusitados e/ou histórias que são desconhecidos da maioria dos vascaínos?
Muito. O primeiro choque é descobrir que a carreira dele no Vasco, que eu imaginava ter sido desde sempre, começou apenas em 1970. E que antes disso, ele tinha passado por alguns outros clubes, inclusive o Fluminense, onde trabalhou boa parte da década de 1960. E que depois de 1970 ele ainda passou rapidamente pelo América e pelo Santa Cruz. Na década de 1980, passou cinco anos servindo à seleção do Kuwait, onde se converteu ao Islamismo. Também tem histórias boas de sua vida como interno da Escola XV de Novembro, em Quintino, e como militar, onde era o Sargento Santana. E o que dizer de seu papel central no carnaval carioca, onde foi o Rei Congá, participando ativamente da abertura dos festejos desde 1991? E com tudo isso, o melhor que a pesquisa agora mais aprofundada me mostra é que, acima de tudo, Santana foi um profissional diferenciado, muito sério, consistente e até inovador. O que o distancia da imagem folclórica que acabou o marcando exageradamente.
PFV: Como descrever a identificação que a torcida tinha com ele sendo que nem jogador ele era, apenas um massagista?
Para mim, não tem descrição. O carisma do Pai Santana é coisa de outro mundo. Lembro de sua última aparição no estádio, em 2009, num jogo contra o Bahia que poderia valer o retorno do Vasco à série A. Quando ele entrou em campo, de cadeira de rodas, a torcida foi à loucura. E ele já estava afastado dos estádios há alguns anos naquela ocasião. Acho que o Santana, no final das contas, representa um modelo de torcedor vascaíno, que todos nós almejamos. A história do Vasco é muito ligada, além da herança lusitana, à luta pela integração e valorização dos atletas trabalhadores e negros no futebol, que era um esporte um tanto de elite na primeira metade do século XX. Santana era representativo disso. Os trabalhadores, os negros, as camadas populares da população. Além disso, é inegável que ele amava demais o Vasco. Acho que por isso a torcida se identificou tanto com ele, a ponto de compor um canto em sua homenagem: “À bênção meu Pai Santana...”
PFV: Qual foi o maior legado que Pai Santana deixou ao Vasco e sua imensa torcida?
Em uma reportagem de 1983, Eliomário Valente dizia que as histórias de Pai Santana dariam um livro, comparável aos de Malba Tahan, “o mais famoso autor de histórias orientais que encanta a mocidade desde a década de 1950”. Essa é pra mim uma chave importante. Santana constitui uma história vascaína que não é apenas formal, ocidental, uma linha reta e inflexível. Ele dá ao Vasco (e ao Rio, e ao país) um patrimônio importante, uma referência de grande personagem que nem mesmo os torcedores de outros times podem minimizar. Se formos escalar a maior equipe do Vasco de todos os tempos, além de onze jogadores e um técnico, ela teria que ter um massagista também.
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