O Vasco voltou a sorrir, e o torcedor vascaíno, que já aprendeu a rir para não chorar, agora anda rindo com vontade. É um fenômeno raro: o time ganha, o técnico é aplaudido, os memes são positivos e o caldeirão de São Januário virou um spa de autoestima. No centro desse improvável milagre está Fernando Diniz, que conseguiu devolver ao vascaíno a esperança.
Mas é aí que mora o perigo. No Vasco, a esperança é sempre uma corda bamba esticada entre o êxtase e o abismo. Se der certo — se o time embalar, se vier Libertadores, se o título da Copa do Brasil se insinuar no horizonte —, Diniz e seus rapazes vão experimentar uma idolatria que nem os próprios rivais viveram nos últimos anos. O Rio vai virar uma festa portuguesa com certeza e vai ver ecoar o grito antigo de que “o Vasco é o time da virada!”. Se der errado, bem... o roteiro o torcedor já conhece de cor, com direito a vaia, desalento e o brejo sempre à espreita da vaca que insiste em voltar.
O milagre vascaíno tem explicação. E ela começa lá atrás, com uma janela de contratações que, pela primeira vez em muito tempo, parece ter sido aberta com régua e compasso, e não com a ventania do desespero. Robert Renan e Cuesta transformaram a defesa num condomínio de segurança máxima: o time, que antes tomava gol até de escanteio curto, hoje é quase um cofre lacrado. Barros, o volante incansável, corre por três e recupera bola como quem procura dignidade. Em quatro jogos com a nova zaga titular, o Vasco sofreu míseros 0,25 gol por partida — uma taxa que faria inveja até a defesas de Libertadores. O resultado é que o time, antes preso ao pântano da tabela, subiu feito submarino com pressa: 20 pontos no segundo turno, campanha de G3 e futebol de quem descobriu que a melhor forma de se salvar é começar a sonhar.
Na frente, a história muda de tom, mas não de entusiasmo. Rayan, 19 anos, virou a centelha da nova esperança: seis gols nos últimos seis jogos, uma explosão de talento que empurrou o veterano Vegetti para o banco e reacendeu o ataque. Com ele, Diniz reencontrou a leveza: Andrés Gómez abriu o campo, Coutinho voltou a sorrir e o Vasco passou a atacar com a convicção de quem acredita no que faz. É o tipo de arranjo que dá gosto de ver. E que, de repente, coloca o time em rota de Libertadores.
Tudo isso sob o comando de um técnico que, sem dinheiro e com desconfiança, montou um time autoral, competitivo e — o que mais importa para o vascaíno — simpático para a arquibancada. Porque no fundo, o que o torcedor queria não era só vencer. Era voltar a se ver em campo.
Tudo culpa de Fernando Diniz, esse treinador de temperamento poético e vocação para eletricista de alma. Porque é isso que ele faz no Vasco: religar os fios. Entre o campo e a arquibancada, entre o passado e o possível, entre o torcedor cansado e o time que finalmente joga com prazer.
O Dinizismo, que depois da "glória nem tão eterna assim" já andou desgastado em outros endereços, encontrou em São Januário uma espécie de segunda chance, e talvez um palco ideal. O Vasco é um clube que acredita em ideias, mesmo quando a realidade insiste em desmenti-las. É por isso que Diniz encaixou: ele vende o sonho de que dá para jogar bonito e ganhar, de que o improviso guiado também pode ser projeto, e de que um time, por pior que esteja, sempre pode se reinventar.
Enquanto os rivais se revezavam na glória, o Vasco observava do sofá. Nos últimos três anos, Flamengo, Fluminense e Botafogo levantaram a Libertadores e embarcaram para o Mundial de Clubes — um carrossel de conquistas que fez do Rio o eixo do sucesso. O vascaíno, fiel à própria sina, ficou por aqui, assistindo, reclamando, sonhando. Mal sabia que, no meio desse hiato de títulos, Diniz tramava algo mais subversivo: o retorno da esperança.
E é essa a maior façanha do Vasco de 2025. Mais do que a arrancada, mais do que os números, é o simples fato de que o time voltou a dar assunto, a gerar debate, a convocar multidões para o mesmo sentimento.
O Vasco voltou a pulsar. Porque o vascaíno, afinal, dorme com o rádio ligado — não por medo do brejo, mas porque até a esperança, ali por São Januário, é barulhenta.
O dado de hoje não é inédito — estava na excelente reportagem de Vitor Seta, que analisou o momento vascaíno e merece ser lida. Mas o mais curioso não foi o dado em si. Foi a reação a ele.
A reportagem mostrou que o Vasco é o melhor time do campeonato nas últimas cinco rodadas.
1º Vasco – 12 pts (4 vitórias)
2º Flamengo e Fluminense – 10 pts (3 vitórias)
3º Palmeiras e Bahia – 9 pts (3 vitórias)
Pois bem: um torcedor vascaíno, indignado com o que considerou uma heresia estatística, mandou um longo e furioso e-mail para a redação. Empolgado com o time? Orgulhoso do dado?
Nada disso. Revoltado com a boa fase.
Abre aspas para o cidadão:
“Em 1995, depois do título brasileiro, os botafoguenses propunham o seguinte desafio: ‘de 89 a 95, quem ganhou mais títulos?’ Não era ironia, falavam sério. Depois do jejum de 21 anos, a convicção de serem os mais vitoriosos (RISOS).
A reportagem do GLOBO sustenta que, se o Brasileirão fosse disputado nas últimas cinco rodadas, o Vasco do Diniz seria o campeão (GARGALHADAS).
Se os votos de Moraes, Zanin, Cármen Lúcia e Fachin fossem ignorados, e só existisse o voto de Fux, Bolsonaro seria absolvido.
Mas a vida, essa danada, não está nem aí para nossos delírios.”
Ou seja: o vascaíno anda tão traumatizado com o próprio sofrimento que até a boa fase causa desconforto.
É o que poderíamos chamar de síndrome do brejo iminente: o medo de ser feliz.
E ele encerra o e-mail citando Carlos Heitor Cony, numa frase que resume bem o espírito vascaíno — e talvez o brasileiro em geral:
“O otimista é sempre um mal informado.”
PÉ-SUJO & PÉ-LIMPO
Não sei se o leitor sabe: além desta newsletter semanal, publico, quinzenalmente, uma coluna sobre bares, restaurantes, comes e bebes no Rio de Janeiro. A desta semana foi sobre a Dona Ana, um galeto que mistura tempero, gentileza, boa carne e militância da direita radical. Vale sua leitura.
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