O repórter Bernardo Itri, da Placar, pergunta a Thierry Henry, o grande jogador francês: Há um tempo, saíram fotos suas na internet com a camisa do Vasco. O que você sabe do Vasco? Dá para dizer que, no Brasil, você é vascaíno?.
- (Risos) Não
Muitas pessoas comentam comigo sobre essa história, mas não. Sempre gostei do futebol brasileiro e acompanhava bastante. Sabe quando você ainda é criança, assiste aos jogos na televisão e gosta de algumas camisas? Então, é isso. Eu sempre achei a camisa do Vasco muito bonita.
O repórter insiste não tenho a informação sobre o time dele, mas não deve ser o mesmo que o meu, lembra que o brasileiro Denílson, do Arsenal, disse que ele cantava o hino do Vasco no vestiário. Simpático, Henry diz que admirava o Vasco também porque o Romário jogava lá, porém admite que na verdade não sabe o hino do clube. De vez em quando eu brincava nos vestiários e cantava, mas não era o hino. (Henry para de falar, coloca a mão na testa para lembrar a música que cantava e entoa: Vasco
Vasco
Vasco.
A história acima esta na edição do mês de julho na Placar. E não quer dizer absolutamente nada nem interfere no atual momento do clube. Outro dia, antes da goleada mais uma auto-derrota para o Santos, depois do Vasco perder incrivelmente para o Guarani comentei com um amigo que, provavelmente, o meu time passava pela pior e mais longa crise entre os grandes do futebol brasileiro dos últimos anos. A queda, bem possível depois de sete rodadas, assusta. Acredito piamente que isso não vai acontecer. Mas é difícil crer que reforços como Felipe e Ricardo Olivera mesmo vão chegar. E se chegarem, não sei se estarão bem fisicamente ou se aguentam o tranco e têm disposição de pegar um time que está decadente. E não era para estar.
Repito que não era para estar. Esse mesmo goleiro que hoje teve sua tarde de Rodolfo Rodrigues (um grandioso jogador), foi responsável por deixar os vascaínos enfiem aliviados. Acreditamos, sim, que tínhamos um grande goleiro com a camisa 1. Na lateral direita temos um jogador apenas: Fágner, que não joga nunca, mas quando joga se sai bem. Na zaga, aí sim a coisa preocupa. Mas na esquerda temos o bom Ramon. Nada de grandes coisas, mas um bom jogador. No meio, temos dois jogadores elogiadíssimos antes de chegar ao Vasco. Mas Rafael Carioca e Léo Gago têm sido de uma tristeza, de uma pobreza técnica de dar dó. Se fossem apenas burocráticos já estaria ruim para a gente, mas não, eles falham, perdem bolas, erram coisas simples e ajudam a afundar o Vasco, que sofre também com o azar do bom Nilton. Até porque Souza parece querer desfazer qualquer impressão sobre a capacidade dele de levantar a cabeça e acertar um bonito passe, como fez quando começou no time principal do Vasco. Na frente, um coitadinho do Coutinho entregue a dois, três marcadores, que têm sérias deficiências de fundamento. Aonde? Na conclusão, coisa óbvia, e na condução de bola. Repare: muitas vezes ele dá o drible, passa pelo cara, entorta e tal, mas perde a jogada porque conduz mal a bola. No comando do ataque temos um bravo Elton, que a torcida não gosta, mas que é o mais útil entre os inúteis, e uma sombra do futebol que Rafael Coelho tinha também no Figueirense. Isso sem falar nos problemas extra-campo que o menino tem. E ainda sem falar do triste fim de carreira de Dodô, um jogador que admirava pela incrível capacidade técnica que TINHA, mas que não aguenta mais futebol profissional. Sem arranque, sem físico, sem pulmão nem uma gota de suor e sangue, ele não seria capaz de nada mesmo, talvez nem quando era novo.
Resultado disso tudo? Cinco pontos na tabela, uma imagem destruída, uma torcida humilhada, desconfiada e pessimista ao extremo. Um clube que tentou se armar durante 2009 todo, com campanha de sócios, resgate parcial de auto-estima, que teve seu ponto alto na semifinal da Copa do Brasil contra o Corinthians, com dirigente em alta (Rodrigo Caetano), um técnico identificado com o clube (Dorival) e uma torcida aliada (uma das maiores médias de público do ano, com recordes atrás de recordes de público).
Vira o ano, como citei acima, os reforços tidos como esperanças fracassam, os técnicos testados fracassam igual, aquele número de 50 mil sócios é mentiroso porque apenas 12 mil pagam em dia, a torcida se emputece e se enerva com a simples constatação de que vai sofrer muito e não vai conquistar nada em mais uma temporada e o caos tem nome, sobrenome e endereço: Vasco da Gama, Rua General Almério de Moura São Cristóvão.
Desde pequeno entendia que torcer para o Vasco era algo diferente. Daí, acredito eu, o encantamento do Henry, que via uma camisa com uma faixa em diagonal, que cruza a mesmice das listras verticais ou horizontais. No Rio, o único grande, imponente na Zona Norte. Que tem a história marcada por quebra de paradigmas e de tabus, que viveu anos dourados atribuídos a Era Eurico, que por sua vez são ligados apenas a maracutaia, sem méritos, apequenados da forma que o interlocutor lhe convir. Um dia o Vasco lutou contra o preconceito racial, social, depois contra a imagem de clube que representa a pior espécie de gente que domina o futebol. Essa mesma espécie que está na CBF, na Fifa, no Clube dos Treze, no Flamengo, no Fluminense, no Grêmio, no Cruzeiro. E hoje parece mesmo que o Vasco sucumbe, à incompetência, à falta de noção de grandeza, à falta de ambição e de criatividade que seja de fazer despertar uma torcida desiludida, desfigurada e amargurada depois de anos e mais anos de sofrimento.
O último título, em 2003
Em 2000, o Vasco tinha quatro títulos brasileiros, três sulamericanos e 21 estaduais. Hoje, dez anos depois, apenas um estadual a mais e todos rivais estaduais ou nacionais prosseguiram. O Vasco parou. Vemos um Palmeiras em crise, fraco também, mas começando uma reforma do seu estádio. Um Fluminense, mesmo com todos problemas, com capacidade de investimento de dar inveja a Flamengo e Corinthians. Um Botafogo também mal das pernas, mas fazendo das tripas coração para dizer ó, eu existo, não morri. Nesse tempo vimos também o Atlético-MG voltar a ter ao menos esperança, o engrandecimento de Sport e, às vezes, Coritiba e Vitória, e outros menos votados. E o Vasco?
Respondo da mesma maneira otimista com que vejo tudo na vida: o Vasco há de sobreviver. Mesmo com toda orgia sofrida e deliciosamente curtida pelos flamenguistas de plantão, o clube que nasceu do nada e deixa tanta inveja, tanto rancor vai continuar. Não sei nem como, mas vai. E estarei ali, ao lado, como estive nas horas mais difíceis e tristes, como têm sido essas.
Enquanto um remodelado São Januário não sai do papel, o clube se afunda...