Os vestiários da Vila Belmiro não deram conta. Eram mais de 50 jogadores em cada time. A plateia tentava entender o que significava o pirulito que ia de lá para cá e por que um lenço amarelo era jogado para o alto a toda hora. O campo do Santos tinha marcações em jardas, e o locutor explicava tintim por tintim o que os jogadores, equipados da cabeça aos pés, faziam com a bola oval.
A decisão do Campeonato Brasileiro de Futebol Americano foi disputada no sábado, entre o estreante Va s c o P a t r i o t s e o Vi l a Ve l h a Tr itões, formado em 2004. O time mais experiente acabou ficando com o título, depois de vencer a par tida graças a um touchdown e um ponto extra (7 a 0). O cornerback Saulo Playboy, que atuou na defesa e no ataque dos Tritões, foi quem marcou no segundo período.
Incrível! Corri 75 jardas sem respirar. Mas o time ajudou, jogando-se em cima dos outros, abrindo caminho. Quando cheguei à end zone estava ofegante de felicidade descreveu Saulo, eletromecânico industrial, de 22 anos, que passou por peneira para entrar no Tritões. Ele foi eleito o melhor atleta da decisão.
Na arquibancada, Jéssica do Nascimento, de 16 anos, perguntou o que era o pirulito (marcação das jardas a alcançar) e o lenço amarelo (marcação de falta).
Ainda bem que o locutor explica tudo. Gostei, mas queria ver mais gol diz a menina, que se impressionou com o tamanho dos jogadores, a maioria barrigudos. Quem é o 17 do Tritões? Que magro!
O jogador em questão destoava dos demais. Magricela, alto (1,84m) e com pernas longas, o wide receiver Danilo recebe a bola do quarterback, o organizador das jogadas de ataque. Dentista, de 25 anos, 70 quilos, ele é conhecido como caneta Bic.
Ele é magro, mas ágil, corre que é uma beleza elogia João Rubens, de 24 anos, o líder do ataque do Tritões, que, contundido, ficou de fora. Nosso espor te é democrático. Tem gordinho e magricela.
Até joguei futebol com a bola redonda, mas não era bom. Há cinco anos não sei o que é chutar com o pé conta Danilo, que tentou carreira no Atlético-MG na ponta direita. Isso aqui é uma família. Na alegria e nas roubadas. Viemos de ônibus para a final. Mais de 18 horas.
O time não tem patrocínio e conta com a ajuda da prefeitura para as viagens. Nessa vida de amadorismo, só mesmo uma mãe empolgada e coruja poderia cuidar de 50 marmanjos. Rosania Ramos é a mãe de João Rubens e de Raony, o líder da defesa. Os irmãos são fundadores do Tritões. João estuda economia e Raony, artes plásticas.
Chamada de tia pelos meninos, que não se importam em se trocar na sua frente, é ela quem os hidrata durante o jogo, cuida dos contundidos, preocupa-se com os uniformes. Designer de moda, criou a bandeira e os uniformes.
Como não temos muitos, preciso remendar os uniformes. De todos! comenta Rosania, que também é guardiã dos troféus. Em 2004, o João ligava para os amigos para formar time e treinar na praia. De 40, apenas dez toparam. Mas ele não desistiu lembra a mãe, que pinta as unhas de laranja, cor do Tritões.
Agora, somos os melhores do Brasil. Como o futebol no Espírito Santo não existe, escolhemos este esporte, que é uma delícia de jogar explica João Rubens, torcedor do Flamengo. O irmão prefere o Botafogo Espero que agora a gente tenha mais incentivo. Os atletas precisam pagar mensalidade para manter a equipe, comprar equipamentos e sobreviver.
(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)
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