Paulo Henrique certamente fez falta ao Vasco na derrota para o Juventude por 2 a 0 na quarta-feira passada, no Alfredo Jaconi. Ele ficou fora por uma indisposição antes do jogo. Aos 29 anos, o lateral-direito é um dos principais destaques da equipe na temporada e está na pré-lista de convocados da seleção brasileira de Carlo Ancelotti. Até aqui, esse é o ponto mais alto da caminhada que começou com um episódio forte envolvendo o pai, que morreu em 2012, e contou com muita perseverança. Ele sempre soube onde queria chegar.
No terceiro ano com a camisa do Vasco, Paulo Henrique vive sem dúvidas seu melhor momento no clube e na carreira. Foi titular de 38 dos 46 jogos disputados pelo Vasco, fez três gols e contribuiu com três assistências. Ele nunca havia participado de tantos gols na mesma temporada.
Mas sua importância para a equipe vai além disso. Paulo Henrique é um oásis de segurança em meio a um sistema defensivo que, a essa altura, encontra-se em frangalhos, com zagueiros fora dos planos da comissão técnica de Fernando Diniz, o volante Hugo Moura improvisado na zaga e falhas atrás de falhas. O Vasco é o time da Série A com mais gols sofridos no ano (54), mas o espaço aparece muito menos no lado direito da defesa do que em outras partes do campo.
O lateral vascaíno é o segundo jogador com mais desarmes neste Brasileirão: 58. Fica atrás apenas de Lucas Sasha, do Fortaleza, que tem 64. Paulo Henrique é dono de uma potência física que vira vantagem na hora de recuperar a bola atrás, com Neymar entre as vítimas mais recentes, e dá fôlego para que ele apareça com força na frente. Essa é sem dúvidas sua principal característica.
Os números a seguir foram cedidos à reportagem Departamento de Saúde e Performance (DESP) do Vasco e ajudam a dar dimensão.
Paulo Henrique tem média de quase 10 quilômetros percorridos por partida - desses, pouco mais de um quilômetro foram em alta intensidade, ou seja, em sprints superiores a 19,8 km/h. A maior velocidade atingida por ele em jogos oficiais disputados de abril em diante (período da análise) foi 36,5 km/h.
Um estudo da Fifa ("Setting the Benchmark" Part I: The Contextualised Physical Demands of Positional Roles in the FIFA World Cup Qatar 2022", do autor Paul S. Bradley) com base em estatísticas recolhidas durante a última Copa do Mundo, atestou que a velocidade máxima atingida por um jogador foi de 35,66 km/h.
Ainda de acordo com o levantamento, Paulo Henrique supera a média dos laterais do Mundial na distância percorrida em alta intensidade (1.114m contra 902m) e em distância em sprint (456m contra 268m), com o adendo de que pode existir pequena margem de erro pelo fato de que os dados do Vasco são reunidos por GPS, e os do estudo da Fifa, por imagens.
- O coletivo está sempre acima de qualquer coisa, mas também fico muito feliz pelo individual estar aparecendo com gols, assistências e desarmes. Tudo que eu puder acrescentar, vou estar sempre muito feliz em ajudar - disse o lateral em entrevista ao ge, em maio.
Na ocasião, Paulo Henrique respondeu sobre a possibilidade de ser convocado pela seleção brasileira, sonho que pode ser cumprido na próxima segunda-feira, quando Ancelotti vai anunciar a lista dos jogadores que vão disputar os jogos contra Chile e Bolívia, pelas duas últimas rodadas das Eliminatórias para a Copa do Mundo. O jogador do Vasco nunca esteve tão perto de alcançar a meta traçada ainda no início de uma carreira que só existe graças ao pai.
O último desejo do pai
Paulo Henrique é o filho mais novo do Seu Waldemar, um operador de máquinas de madeireiras que, antes de se aposentar, também trabalhou como porteiro de um edifício. Ele morreu em 2015, aos 68 anos.
O lateral nasceu e viveu até a metade da adolescência em Sete Barras, cidade do interior do Paraná. Sempre foi "meio ligeirinho", como revelou recentemente, e tinha o sonho de se tornar jogador profissional. Mas o plano a princípio era compartilhado somente entre pai e filho. O resto da família sabia que ele gostava de futebol. E só.
Quando Paulo estava prestes a completar 16 anos, Seu Waldemar sofreu um acidente vascular cerebral grave e foi internado às pressas. Ficou meses no hospital, na maior parte do tempo entubado e inconsciente. Em uma das poucas vezes que voltou a si e conseguiu falar, ele fez um pedido às suas filhas, as irmãs mais velhas de Paulo Henrique: que ajudassem o caçula a virar jogador de futebol.
- Pouco antes de falecer, ainda no hospital, nosso pai viveu um último momento de lucidez, e sua maior preocupação era com o Paulo. Com muita dificuldade na fala, devido ao seu estado, ele nos fez esse pedido. Ele acreditava profundamente em seu talento e tinha a certeza de que um dia ele chegaria à Série A - contou ao ge Clevesmari de Cássia Alves, a Mari, uma das irmãs.
"A última frase em vida do meu pai se transformou, para nós, em um compromisso".
Na época, Paulo Henrique vivia com a mãe, Dona Eunice, em Sete Barras. As irmãs, filhas do primeiro casamento de Seu Waldemar, foram até a cidade que fica a cerca de 230 quilômetros de distância de Curitiba pedir a permissão para que o menino se mudasse com elas para a capital. Dessa forma, poderiam correr atrás de peneiras e testes. A mãe autorizou.
Edina, Eliane, Jaqueline e Mari foram as responsáveis por ligar, buscar informações, acompanhar o irmão nas avaliações, levá-lo e trazê-lo ao mesmo tempo em que ficavam no pé dele para que concluísse o Ensino Médio. Até que um dia descobriram que haveria uma peneira credenciada pelo Santos em Curitiba. Era a chance perfeita.
Paulo Henrique foi avaliado ao lado de aproximadamente 800 jovens. A princípio, se inscreveu como atacante, mas, vendo que a concorrência na frente era grande, pediu para jogar de volante. "Eu vi ele em campo, indo em direção ao responsável, para pedir para continuar em outra posição. Ele teve persistência e resiliência", se lembra Mari, que o acompanhou no dia.
Paulo passou para a segunda fase, e dessa vez foi de Jaqueline a tarefa de levá-lo para os testes em Santos. No final das contas, ele não passou. Mas a boa atuação na peneira em Curitiba fez com que Paulo Henrique se aproximasse de uma dupla de empresários que, mais tarde, o colocariam na base do Londrina. Thiago Rinaldi e Johan Rinaldi, da FTM Sports, agenciam a carreira do lateral-direito do Vasco até hoje.
"Não é pelo dinheiro"
Em 2014, Thiago fez uma aposta com o objetivo de motivar Paulo Henrique: se ele fosse campeão paranaense sub-20 daquele ano com o Londrina, ganharia um iphone novinho em folha.
O Tubarão vinha de dois vice-campeonatos para o Coritiba nas temporadas anteriores e, no fim, enfrentou o Coxa novamente na final. Mas, dessa vez, faturou o título com vitória por 2 a 1 no Estádio do Café e empate em 1 a 1 no Couto Pereira. Paulo Henrique foi um dos destaques.
Paulo, então, procurou o empresário e perguntou se poderia trocar o seu prêmio. Ele não queria um iphone. Em vez disso, pediu para que comprassem um microondas para a mãe.
- Filho da mãe, aquilo me quebrou! - recorda Thiago, com bom humor. - Todo moleque dessa idade quer ter o telefone, o tênis da moda. Ele quis dar um microondas para a mãe. É claro que demos o iphone e o microondas. Johan e eu fomos até Sete Barras para entregar para ela.
Ajudar a família, em especial a mãe, sempre foi um dos principais objetivos de vida de Paulo Henrique. Quatro anos atrás, quando saiu do Paraná e foi jogar a Série A do Brasileiro pelo Juventude, no primeiro grande salto salarial da carreira, ele realizou o sonho de tirá-la do aluguel e comprou uma casa para Dona Eunice em Sete Barras.
Até chegar nesse ponto, no entanto, Paulo passou por muita coisa. Em 2019, depois de uma passagem pelo Metropolitano-SC, conheceu a esposa Patricia Casani em Blumenau. Patrícia revelou em entrevista recente à "Vasco TV" que, no início, precisou ajudar o então namorado a comprar um colchão porque ele dormia no chão. Ela deu mais detalhes dessa época em contato com o ge:
- Eu morava na minha cidade e ia para Curitiba (Paulo jogava no Paraná) para vê-lo, pegava ônibus e ia sempre que tinha jogo em casa. Muitas vezes não podia nem ver o jogo, porque era pandemia, mas eu ia pra ficar com ele no pós-jogo, a gente ficava um dia junto. Um tempinho depois fomos morar juntos, e essa foi a época mais caótica porque nosso apartamento não tinha nada, era tudo velho, geladeira caindo aos pedaços - contou Patrícia.
- No início, ele dormia no chão e eu achei um absurdo. Mas ele não tinha nem cartão de crédito, se não me engano. Era bem mão de vaca, sabia o quanto podia gastar. Fomos até o centro, colocamos no meu cartão, a gente foi pagando parcelado. A gente sem máquina de lavar, e tinha que lavar a roupa do clube em casa porque era pandemia, então ele lavava no chuveiro (risos). Passamos muito perrengue. Mais para o finalzinho do ano, ele teve um aumento de salário, e as coisas começaram a melhorar.
Apesar de tudo isso, da responsabilidade de mudar a vida da mãe e da necessidade de promover conforto para a própria família, o dinheiro não foi o principal fator levado em consideração nas escolhas de carreira de Paulo Henrique. O plano desde o início sempre foi buscar um patamar acima (da Série C para a Série B, e daí para a Série A...) até se tornar um jogador de elite e, quem sabe, chegar à seleção brasileira.
E pensar dessa forma muitas vezes significa abrir mão da melhor proposta financeira.
Quando chegou ao Paraná para jogar a Série B do Brasileiro em 2020, por exemplo, um clube da Série C ofereceu um salário praticamente quatro vezes maior para contratá-lo. E Paulo recusou por entender que isso seria dar um passo atrás na carreira.
Depois das duas temporadas com o Juventude na Série A, em especial pelo que fez no jogo contra o Flamengo na penúltima rodada do Brasileiro de 2022, com gol e assistência no empate em 2 a 2 no Alfredo Jaconi (veja no vídeo abaixo), o lateral foi procurado por muitos clubes. Dentre os quais, o Cincinnati - que nessa janela voltou a tentar contratá-lo, mas sem sucesso.
Paulo tinha tudo encaminhado para defender o clube da Major League Soccer, mas foi procurado pelo Atlético-MG em cima da hora e aceitou ir para Belo Horizonte porque jogar na elite por uma equipe como o Galo era o que ele queria em termos de carreira - ainda que atuar nos Estados Unidos fosse melhor financeiramente.
"Ele tinha um sonho e sempre soube onde onde queria chegar", explicou a esposa Patrícia.
- Não é pelo dinheiro. E esse movimento de carreira de não optar pelo dinheiro e optar pela Série A tem tudo a ver com isso. Foi a opção que a gente escolheu na época, sempre conversando com Thiago, que é muito mais que um empresário. A gente sempre teve essa conversa franca de respeitar o que o Paulo queria - completou.
Vasco chegou a liberá-lo
Paulo Henrique disputou apenas três jogos com a camisa do Atlético-MG. No início de 2023, ele foi titular contra Caldense, Ipatinga e Patrocinense pelo Campeonato Mineiro e saiu no segundo tempo de todas as partidas. Ao todo, sua passagem se resume a aproximadamente 170 minutos em campo. Paulo sofreu rejeição do então técnico Eduardo Coudet e ficou sem espaço na equipe.
O Vasco já havia demonstrado interesse em contratá-lo na saída do Juventude, retomou o contato e fechou um negócio por empréstimo, sem opção de compra. Paulo e a esposa haviam acabado de se mudar para uma casa em Lagoa Santa, ao lado de Belo Horizonte.
- Quando terminei arrumar o closet, coloquei a última coisa, aconteceu de vir a proposta do Vasco. No outro dia juntamos tudo, a gente colocou nos dois carros e viemos para o Rio. Eu, ele e dois gatos, um em cada carro - se lembra Patrícia.
Foi nessa época que Paulo Henrique buscou ajuda para a saúde mental, fundamental para que ele conseguisse suportar, também, os primeiros meses como jogador do Vasco. Foi um período em que a esposa perdeu duas gestações num intervalo curto de tempo e, no clube, o lateral-direito simplesmente não jogava. Ele disputava vaga com Puma Rodríguez, que era o preferido de Maurício Barbieri para a posição, e entrou em setembro com apenas quatro partidas disputadas.
Paulo Henrique chegou a ouvir do Vasco que não estava nos planos e foi liberado para procurar outra equipe na janela do meio do ano. O lateral tinha sondagens de Portugal e times da Série B dispostas a pagar um salário até maior, mas o empresário se lembra das palavras de Paulo Henrique na ocasião:
"Thiago, eu ralei muito para chegar na Série A. Eu vou até o fim aqui".
Paulo Henrique ficou no Vasco. Em outubro, virou titular da equipe de Ramón Díaz que dava o sprint final da reação para evitar o rebaixamento. No dia 6 de novembro, o lateral coroou o bom momento com o gol da vitória por 1 a 0 no clássico contra o Botafogo, em São Januário. Mas a sua participação mais importante, a que no fim do ano fez com que a diretoria se mobilizasse para contratá-lo em definitivo, foi a assistência para o gol de Serginho na vitória sobre o Bragantino, na última rodada do campeonato. O lance que garantiu a permanência do clube na Série A.
No final das contas, entre empréstimo e aquisição de 70% dos seus direitos econômicos, o Vasco pagou cerca de US$ 1,5 milhão (R$ 8,1 milhões na cotação atual) para ter o lateral-direito no elenco. Os outros 30% ainda pertencem ao Atlético-MG.
"Você não é 'gato' não, né?"
Como foi bem atuando no meio de campo naquela peneira credenciada pelo Santos em Curitiba, em 2015, Paulo Henrique foi volante durante os anos em que jogou na base do Londrina e também nos primeiros como profissional. Só em 2017, quando estava emprestado ao Iraty, que um treinador decidiu mudá-lo de posição. Seu empresário resumiu como se deu o episódio:
"O técnico dele falou: 'Moleque, você corre demais, vou te usar na lateral'. E foi. Não foi nada planejado", disse Johan.
Ele e Thiago, que são sócios da empresa que agencia a carreira de Paulo Henrique, colocaram o então jovem jogador contra a parede certa vez. Diante da força e da velocidade que ele demonstrava ainda no sub-20, sempre acima da média, eles precisavam ter certeza de que Paulo de fato tinha a idade que dizia ter.
- Chamamos ele no escritório. Senta aí. Você não é "gato" não, né? (risos) - contou Thiago, que é padrinho de casamento e do filho de Paulo Henrique.
- Vai saber, né. Mas aí a gente começou a conversar com ele, viu aquele jeito de moleque do interior. E concluímos que não era "gato", não. Ele só era forte mesmo - completou.