Uma ligação telefônica e uma chance de Zé Ricardo mudaram o destino de Hugo Moura. O volante, hoje peça importante do Vasco de Fernando Diniz, atuando até como zagueiro, por pouco não abandonou o futebol ainda na adolescência. A distância da pequena Rio Claro, a 128 quilômetros do Rio de Janeiro, as dificuldades financeiras e os sacrifícios aos quais a família era submetida quase custaram mais uma carreira promissora do futebol brasileiro. Em entrevista ao Globo, o jogador falou sobre o início no futebol, o momento no Vasco, as mudanças na vida pessoal e o salto ao profissional.
— Era muito difícil. Por eu ser só uma pessoa na minha cidade, que tem poucos habitantes, dificultava muito o trajeto até o Rio. Às vezes, a gente não tinha condições de ir para o treino (na base do Flamengo, em Vargem Grande). Meu pai, meu avô e minha mãe sempre fizeram o impossível para me levar para treinar. A gente pediu ajuda, só que não veio naquele momento. Eu via o sofrimento do meu avô e do meu pai de ter que me levar para o Rio. Eu era muito novo, adolescente. Cheguei um dia em casa e tomei a decisão de não jogar mais. Estava vendo a complicação de alugar casa, de me levar para o treino. Eu era muito colado com meu avô, que tinha que trabalhar, e com os amigos da cidade. Meu avô é taxista. Ele tinha que fazer as viagens dele. Na adolescência, a gente acaba não entendendo muitas das coisas, a grandeza daquela oportunidade que eu tinha ali, na base do Flamengo. Fiquei um ano fora. Desisti de jogar por um ano.
A reviravolta contou com a participação de Zé, um personagem do futebol, assim como Hugo, com passagens importantes por Flamengo e Vasco. Foi o técnico quem avaliou o jovem em seu retorno e balizou o prosseguimento de sua carreira.
— Recebemos uma ligação de um treinador de goleiros e de um diretor do Flamengo para retornar. Fizemos uma reunião em casa, com meu avô, com meu pai, minha mãe e minha avó, para ver se valeria a pena. Não sabíamos até onde isso poderia chegar, e a nossa situação financeira não ajudava muito. O treinador do sub-15 era o Zé Ricardo. Resolvemos voltar a treinar. Quando cheguei, ele me deu uma semana de teste para ver se eu tinha qualidade para ficar. Treinei e, no fim da semana, ele me aprovou de novo. Ali começou verdadeiramente minha carreira na base.
A situação complexa de deslocamento melhorou quando a família, entre trocas de endereço, conseguiu enfim alugar um imóvel próximo ao CT.
— Antes de eu sair, a gente tinha acabado de alugar uma casa em Santa Cruz. Eu ia e voltava de ônibus para o CT. Parei e, quando voltei, no outro ano, conseguimos alugar uma casa em Vargem Grande, a cinco minutos do CT. Aí, as coisas foram acontecendo naturalmente. Fui amadurecendo, coisa que o futebol faz com o jogador. A gente acaba tendo responsabilidade, amadurecendo mais cedo. Cuidar das nossas coisas, não sair para a noite, não fazer coisas erradas… a gente cria uma casca muito grande com 15, 16, 17 anos.
Hugo, então, trilhou carreira por grandes clubes do futebol brasileiro. Profissionalizou-se no Flamengo, passou pelo Coritiba por empréstimo, teve uma experiência para esquecer no futebol da Suíça e rumou ao Athletico. Em 2024, aceitou uma proposta do Vasco. No cruz-maltino, a trajetória foi sinuosa, mas o volante, hoje com 27 anos, deu mais uma volta por cima.
Em 2022, chegamos numa final (da Libertadores, pelo Athletico). No fim do ano, chega o Fernandinho, um cara referência como volante. Em 2023, acabo não jogando tanto como titular, mas faço alguns jogos. Começa 2024, muda treinador, somos campeões paranaenses, pensava em ter sequência para fazer uma boa temporada, pensar algo grande, ganhar títulos pelo Athletico. É nesse tempo que chega a proposta do Vasco. Ficamos “vamos ou não?”. Conversei com minha esposa. Tínhamos casamento marcado. Sairíamos de Curitiba para o Rio de Janeiro? Isso mudou um pouco nossa rotina, criou um pouco de dúvidas no começo. Mas eu e minha família sabemos da grandeza do Vasco, o que o clube passa. Vimos que o torcedor vinha sofrendo. Isso me deu uma motivação para vir. Tinha essa ambição de ajudar. Conversamos com meu empresário. Deu tudo certo com a proposta e graças a Deus eu vim para o Vasco.
No começo, a gente sabe que fica um pouco de desconfiança, de dúvida. Estou muito feliz no clube. Isso, para mim, acaba sendo leve. Hoje, é o Vasco que coloca comida na minha casa. Dou meu máximo dia após dia, jogo após jogo, para fazer o vascaíno e a diretoria felizes, porque me deram esse voto de confiança. Vou dar sempre o meu máximo, independente do meu passado no rival. Estou muito feliz aqui e que possamos nos alegrar na temporada.
O dia e a semana foram muito ruins. Por eu ter saído do clube, pelo meu sogro (o técnico Cuca) ser treinador do Athletico. Ficou muito pesado. Estávamos lá embaixo na tabela. Muitas das vezes o torcedor acha que a gente quer fazer aquilo (ser expulso). Nunca que algum jogador vai entrar para fazer aquilo. Tomei muita porrada nesse jogo, muitas mensagens xingando família, que eu não poderia pisar na rua. Quando a gente entra para jogar, sabemos que muitos torcem a favor e muitos torcem contra. No mundo todo, jogadores falham, é normal. Ainda mais no Brasil, com muitos jogos. O cansaço bate, as coisas batem, e tem jogo que vamos acabar falhando, claro. Não somos perfeitos.
Coloquei minha cabeça no lugar, me juntei à família. Eles me ajudaram muito. Essa expulsão mexeu muito com minha cabeça. Tinha acabado de chegar ao clube, via o sofrimento da torcida. Já estava me sentindo meio derrotado. Mas quando vim, sabia que Deus tinha algo muito grande para mim, não ia terminar daquele jeito. Continuei trabalhando, fazendo aquilo que sei, porque sabia que uma hora a oportunidade bateria na porta de novo e eu aproveitaria muito bem. Cinco jogos depois, contra o São Paulo, a oportunidade bateu à porta e ganhamos por 4 a 1. Depois dali, as coisas fluíram naturalmente e consegui terminar a temporada passada muito bem.
Meses depois, você marca o gol da vitória em jogo contra o Athletico, depois de ter outro anulado no mesmo jogo (2 a 1, partida de ida das quartas da Copa do Brasil em São Januário)...
Antes daquele jogo, eu não tinha feito gol (pelo Vasco). Não sou de fazer muitos gols, de pisar na área. Por incrível que pareça, nesse jogo faço dois. Deus estava comigo nesse momento. Quando fiz o gol de voleio e o juiz deu impedimento (de Vegetti), fiquei tranquilo. Sabia que algo viria, que não tinha acabado o jogo ali. Empatamos e viramos com um gol meu. Foi uma felicidade muito grande não só minha, como da minha família, depois de tudo que passei no jogo na Arena.
Eu já tinha jogado alguns poucos jogos como zagueiro, já tinha um pouco de noção. Fui pego um pouco de surpresa. Saberia que poderia acontecer em algum jogo. Depois da venda do João Victor, ele passou a me colocar mais de zagueiro. Fico feliz pela confiança e por sentir que estou ajudando ele de alguma forma. Sabemos do grande treinador que o Diniz é. Se ele me coloca nas duas posições, é porque ele confia. Vou dar o meu máximo para ajudar.
Muda um pouco, sim. Ele explica muito bem o que ele quer como zagueiro. A gente treina bastante. Cada dia, treino e jogo, vamos observando os movimentos. “É desse jeito”. Ele nos ajuda, nos passa confiança e a coisa vai fluindo. Vamos pegando a maneira de jogar treino a treino. Sabemos que não temos muito dias para treinar, é jogo atrás de jogo. Mas pela conversa, pelos vídeos, conseguimos entender o que ele quer.
Melhoramos bastante com a chegada do Diniz. Sabemos da qualidade e do tanto que trabalhamos com ele. Somos cobrados demais, mas sabemos que dá resultado. Nesse Campeonato Brasileiro, jogamos muitos jogos bem, dominamos e o resultado não vinha. Contra o Grêmio, contra o Internacional, por exemplo. Empatamos os jogos que se tivéssemos ganho, estaríamos lá em cima na tabela. Isso está nos dando confiança, jogar e treinar bem. Isso que ele faz, que ele cobra. Chegar no jogo e ter coragem de fazer o que treinamos. Acredito que as coisas estão caminhando bem porque sabemos da grandeza do Diniz como treinador.
O Vasco é novamente semifinalista da Copa do Brasil, passando por jogos tensos, com disputas de pênaltis. O time está ficando “copeiro”? Contra o Operário, por exemplo, há um lance em que você tenta desestabilizar o time deles nas cobranças de pênalti.
É claro que a gente não quer que os jogos vão para os pênaltis. É um sofrimento, o coração começa a bater mais forte. Só que, ao mesmo tempo, temos um goleiro (Léo Jardim) que nos passa muita confiança, que faz defesas, nos colocou nas quartas e na semi. Não queremos, mas se precisar ir para os pênaltis, ficamos confiantes. Sabemos que ele vai defender um e temos que nos concentrar para bater bem. Contra o Operário, foi coisa do jogo. A gente tinha perdido um pênalti, criamos um pouco de discussão para ver se acontecia alguma coisa. Às vezes dá certo, às vezes não dá. Naquele momento, deu certo e a gente conseguiu se classificar.
A gente sabe da importância e da dificuldade da Copa do Brasil. São dois jogos e temos que estar preparados para os dois. Qualquer vacilo, ainda mais como foi nesse clássico com o Botafogo, pesa. Era nos detalhes. Quem errar menos, passa. Fica um jogo muito mental. Temos que saber vencer o Fluminense nos detalhes para conseguir essa ida à final, que é muito importante para mim, pessoalmente, para o elenco, para o clube, para a torcida e para o presidente. Sabemos que a torcida merece uma final, ser campeã. Deixar para trás esses anos que o Vasco passou e dar um momento de alegria.
Conheci ela quando jogava no Athletico, em 2023. A gente se conheceu, as coisas caminharam. Estávamos ficando direto, caminhou para um namoro. Em 2024, estávamos em casa e o Cuca liga para ela e fala que está acertando com o Athletico. Liguei para os amigos de lá e falei que poderia acontecer. Ele acertou com o Athletico, jogamos o paranaense juntos e fomos campeões.
Em qualquer lugar existe pressão, mas a Natasha (esposa), a Eloah, o Arthur (enteada e filho), dão todo o suporte dentro de casa. As coisas começam a fluir, acontecem naturalmente. Quando estou num momento ruim, venho para casa e acabo me alegrando vendo minha família bem e feliz. Isso que importa. Às vezes estamos num dia ruim, mas chegamos em casa e esquecemos um pouco, ficamos com a família. Me dão todo suporte. Claro, quando as coisas caminham bem, eles ficam mais felizes, podemos sair para jantar, ir ao shopping. As coisas ficam mais tranquilas e leves.
Eu sou mais caseiro, minha esposa até briga comigo. “Você não sai, só fica em casa” (risos). Mas quando saio, saímos para jantar, shopping, levar as crianças em brinquedos e parques, praia. Mas sou mais caseiro.
Não foi uma experiência boa. Não desejo para ninguém. Saí do Flamengo e fui para um projeto na Suíça com dois brasileiros entre os jogadores (o atacante Luis Phelipe, hoje no Sheriff-ROM e o lateral Yuri, hoje no Athletic-MG) e o Abel Braga como treinador. Com uma semana de treinamentos, eu jogaria contra o Young Boys, mas o clube foi vendido e o diretor falou que eu não faria mais parte do elenco. “Você é estrangeiro e queremos jogadores nossos”. Estava dando o dia do meu pai ir embora (da Suíça) e eu fiquei sozinho, sem jogar, treinando separado e sem poder voltar porque a janela tinha fechado. Foi um momento difícil, de pensar na minha carreira. Passa tudo na cabeça do jogador. Estar lá fora, longe da família e do filho, sem jogar. A gente fica mal de cabeça, pensando “por que eu vim para cá?”. Aquilo foi um aprendizado muito grande. Às vezes o jogador precisa passar por isso para abrir a mente ou logo depois vai ter uma coisa muito boa e você vai precisar ter casca. Fiquei um mês e meio sem treinar, pedimos para voltar, treinar no Rio. Ficamos um tempo lá ainda. Como fechou a janela, voltei para o Rio e fiquei só treinando no Flamengo. Fiquei seis meses sem jogar. Em janeiro, fui para o Athletico. Vivi uma temporada muito legal, com final de Libertadores. Dos 12 jogos, joguei 11 como titular. Em um, estava com Covid. Passei por aquela situação, mas logo ali na frente, graças a Deus, dei a volta por cima e consegui dar sequência a minha carreira.
Tem o Thiago Heleno, ex-Athletico. O Souza, que estava no Vasco. O Léo Pelé, que foi para o Athletico. Lucas Freitas e Lucas Oliveira aqui no Vasco, o Maicon que está no Coritiba e é um parceirão nosso. Coutinho, Tchê Tchê e Léo Jardim, que me dou melhor no elenco. Mas me dou bem com todo mundo, graças a Deus. Todos são meus parceiros. Se tiver que falar todos, falo com o maior prazer. São todos meus amigos.
Eu jogava também com o Tchê Tchê, um cara que foi campeão por onde passou. Aprendo muito com ele. Sou uma pessoa bem humilde para querer aprender. Aprendo com o Barros, que é um garoto novo. Não tenho nenhum tipo de orgulho de “é mais novo, é mais velho”. Tendo a aprender a cada dia. Eu e Tchê Tchê fizemos jogos excelentes, coisas muito boas. Ele acaba tendo uma lesão e vem o Barros. Eu estava na zaga, depois fizemos a dupla. E creio que deu certo também. Fomos bem contra o Flamengo, depois contra o Bahia, ganhamos, e depois ganhamos do Cruzeiro também. Foi uma sequência muito dura em que a gente se saiu muito bem. É seguir nessa temporada. Vamos ver quem o professor vai colocar no meio. Quem ele colocar, vamos estar bem servidos.
Eu sempre tive um sonho, que todo jogador tem, que é vestir a camisa da seleção brasileira. Fui convocado na base, foi uma emoção muito grande. Hoje, no Vasco, vestindo essa camisa pesada, meu sonho é ser campeão dessa Copa do Brasil, que está muito próxima para nós (está nas semifinais). Vim para o Vasco para ajudar, fazer a torcida feliz, porque ela merece demais. É um sonho que vou fazer de tudo para ser realizado. Seria uma emoção muito grande não só para mim, quanto para minha família, para o Vasco, para o presidente, para a torcida. Eles merecem.