Futebol

Paulinho explica razão de ter escolhido jogar no Bayer Leverkusen

A travessia do Atlântico se dará veloz como um contra-ataque bem encaixado para dois meninos do Rio de Janeiro, que encontraram ainda na adolescência a rota do eldorado futebolístico. Jogo jogado — à beira dos 18 anos, Paulinho e Vinicius Jr. estão a caminho de, respectivamente, Bayer Leverkusen e Real Madrid, mostrando o novo ritmo da banda no mercado da bola. De agora em diante, craques de verdade — joias, no dialeto boleiro — vão embora o mais cedo possível, para terminar de amadurecer no destino.

Os dois atacantes são saltadores na própria vida, superando etapas de formação a caminho do topo. Sem estresse — um e outro encaram o destino com determinação de fuzileiro, numa maturidade que seduz e assusta. Tomaram posse da própria vida, como jovens adultos, arrimos bem resolvidos da família, temperando o sonho nos dribles da realidade. Ouvi-los descrever as próprias trajetórias sedimenta a convicção — vai dar tudo certo.

Paulinho incomoda-se com o ar-condicionado “bombando” na sala da casa na Zona Oeste carioca, onde, há menos de um ano, vive com parte da família (pai, mãe e irmão), depois de deixar a Vila da Penha de sua infância. “Diminui, mãe”, reclama com Ana Christina Tavares, a matriarca, apontando a própria garganta. Ato contínuo, ajeita o braço esquerdo na tipoia, convalescendo da fratura no cotovelo sofrida dia 4 de abril, no jogo contra o Cruzeiro, pela Libertadores.

Eles vivem grudados desde o início da jornada, pouco mais de uma década atrás, no futsal do Madureira. A possibilidade de ver o caçula tornar-se profissional de futebol virou projeto coletivo, revolucionando o cotidiano da “Família Chapa Quente”, apelido herdado de um extinto grupo de pagode que Paulo Henrique, o pai, integrou. Dado por amigos próximos, o epíteto expressa à perfeição o clã amante do samba e do churrasco, fiel ao candomblé, sempre cercado de visitas em casa.

A história ganhou solidez quando o menino tinha 13 anos e, recém-chegado ao Vasco, cogitou-se seu nome para a seleção sub-15. “Ficou mais sério”, recordou, admitindo que ali já existia o sonho europeu. “A gente só vê jogo de lá. A imaginação é de estar próximo dos grandes jogadores.”

Paulinho e o irmão Romário, um ano mais velho (que brilha nas peladas com estilo cadenciado de meia-armador), são admiradores do futebol internacional desde a infância mais remota. Pequeninos, imitavam comemorações dos astros de equipes espanholas, inglesas, italianas, alemãs. (Num jogo de futsal na Gávea, contra o Flamengo, Paulinho, com 10 anos, marcou e fez o coração com os dedos, à la Kaká, para a mãe em êxtase na arquibancada). Conheciam marcas de chuteira, recitavam escalações, desvendavam esquemas táticos com mais firmeza do que muito comentarista badalado. Para a prática, no campo, foi um pulo.

Mas com sacrifício. O “projeto” arrancou de Paulinho a diversão mais suburbana: jogar pelada com os amigos. Os duelos de gol pequeno, clássico das ruas e praças da Zona Norte, transcorriam com o menino apenas olhando, sentado no meio-fio. A serenidade referendava a firmeza do futuro craque. “Fui cumprindo as etapas, sempre com foco em meu projeto”, ele repete a palavra mágica. “Busquei sempre estar preparado, concentrado no que precisava fazer em campo.”

Tamanha solidez viabilizou alguns recordes precoces. Em 12 de julho de 2017, três dias antes de completar 17 anos, tornou-se o mais jovem atleta a estrear no profissional do Vasco, na partida contra o Vitória; menos de duas semanas depois, dia 23, diante do Atlético-MG, foi o primeiro jogador nascido nos anos 2000 a marcar no Brasileiro; em 7 de fevereiro passado, fez gol contra o Universidad Concépcion, pela Libertadores — o mais jovem também na competição continental.

Paulinho também virou habitué das seleções de base, titular de uma geração iluminada, de talentos como o rubro-negro Lincoln, o são-paulino Brenner, o santista Rodrygo e o gremista Bobsin (além, claro, de Vinicius Jr.). Vestir a camisa pentacampeã do mundo, aliás, está entre suas grandes paixões futebolísticas. O sonho maior, claro, chama-se Copa do Mundo. Mas não se afobe, não, que nada é pra já.

“Só busco os caminhos para dar certo. Nunca penso no gol, mas na jogada”, disse o atacante, chamado de “jogador-trabalhador” por Jonas Boldt, executivo do clube que bateu gigantes europeus como Bayern de Munique e Manchester City e contratou o prodígio por € 18,5 milhões. Elogio precioso — basta conhecer a alma e o jeito dos alemães de encarar futebol. (E que nos rendeu o inesquecível desgosto do 7 a 1.)

Depois do Mundial da Rússia (Paulinho faz 18 anos no dia da final), a “Família Chapa Quente” — o pai, que, além de percussionista, é barbeiro; a mãe, formada em letras e supervisora numa fabricante de doces; e o irmão, estudante — vai se mudar para a encantadora Colônia, vizinha da operária Leverkusen, endereço do Bayer. O jovem atacante, então, tomará posse da camisa 7 (escolhida por ele) vermelha e preta e do status de estrela do atual quinto colocado da Bundesliga.

Materialização de outro projeto — não o familiar, mas o esportivo, fundamental na escolha de Paulinho. “É a escola campeã do mundo. Além disso, perguntei sobre a possibilidade que teria de jogar. Diante da resposta, tomei minha decisão”, o menino me revelou. “Não adianta ir para um clube grande onde não vou jogar. Agora, já pensou ganhar do Bayern com dois gols meus?”, sonhou, baixando a voz.

Raro devaneio, para alguém que, tão jovem, mantém os pés no chão. “Terei de me concentrar mais. Serão outras pessoas, outro ambiente, mas sei o que devo fazer. Dentro de campo é a mesma coisa”, simplifica, minimizando outro item obrigatório na cesta do sucesso. “Busco estar bem e preparado. Automaticamente, o dinheiro vem.”

A meteórica ascensão financeira tampouco comove outro prodígio do futebol carioca, o rubro-negro Vinicius Júnior. Três dias mais velho do que Paulinho, nascido numa família humilde em São Gonçalo, o atacante tem status de fenômeno desde criança. A explosão física, a velocidade no drible e a incrível capacidade para decidir jogos atraíram a atenção de vários negociantes internacionais.

Mas, antes da viagem atlântica, o menino tinha plano inegociável, motivado pela paixão mais incandescente. “Sempre quis ser jogador, desde que meu pai me deu a primeira bola. E não era só isso: tinha o sonho de jogar no Flamengo, meu time do coração”, relembrou. “Ainda mais quando meu pai começou a me levar aos jogos no Maracanã. Imagina uma criança apaixonada por futebol, na arquibancada, naquele estádio lotado. Já me via ali embaixo, dentro de campo, com a torcida gritando meu nome também.”

Na internet, é possível encontrar fotos e vídeos do menino de sorriso rasgado, na felicidade mais plena, cercado pelo mar vermelho e preto da arquibancada. Vestir o “manto sagrado” em campo virou meta acalentada também pela torcida, saudosa do aforismo “craque, o Flamengo faz em casa”, que emoldurou o time campeão do mundo de 1981 e andava perdido na desorganização endêmica do clube superpopular. O menino fez a magia ressuscitar, ainda que brevemente. (Outro atacante, Lincoln, herdará o posto, igualmente por pouco tempo.)

A negociação prematura com o Real Madrid não o impediu de realizar o sonho. Agora, o menino está entre os titulares do Flamengo e foi protagonista da mais importante vitória na temporada, contra o Emelec, fora de casa, na Libertadores — 2 a 0, gols dele.

Tudo indica que a relação de amor se tornará platônica no meio do ano — ainda não é oficial, mas o Real deve fazer valer o negócio que rendeu ao Flamengo € 45 milhões e levar Vinicius Jr. para a capital espanhola. E, aos 18 anos, o brasileiro vai integrar o elenco do clube mais poderoso da Terra, maior campeão da Europa, que dia 26 próximo tenta, contra o Liverpool, o 13º título da Champions League, o maior torneio de clubes do planeta.

Como Paulinho, Vinicius Jr. terá a companhia dos parentes na saga transatlântica. “Seria muito pior se eu fosse sozinho”, atestou o prodígio vascaíno. “Graças a Deus, pelo apoio que sempre tive de minha família, a meu lado em todos os momentos, sempre encarei tudo com muita naturalidade”, agradeceu a revelação rubro-negra. “Apesar de ainda ser bem novo, estou tranquilo, justamente por eles estarem sempre por perto. E irão comigo para Madri quando a hora chegar.”

Vinicius Jr. não se abala com a fama do Real. “Já era meu time no videogame”, brincou. “Saio do Flamengo, que tem a maior torcida do Brasil, e vou para um dos clubes mais populares e queridos do mundo.” O atacante se esquiva de planos em relação a seu papel na encarnação merengue. Prefere apostar na construção de um futuro. “Não sei o que vai acontecer, mas tenho certeza de que o Real Madrid vai saber exatamente o que será melhor pra mim”, apostou o jovem brasileiro. “Acho que vai depender muito de meu desempenho nos treinos também. Quero chegar bem, tanto física quanto tecnicamente, e me pôr à disposição.”

O adolescente de São Gonçalo surpreende na autoanálise. “Comecei minha carreira no maior clube do Brasil e, daqui a pouco, terei a chance de defender um dos maiores do mundo”, resumiu. “Mas não deixo que nada disso suba a minha cabeça. Sei manter os pés no chão.”

Para além do traço lúdico, do DNA brasileiro, de ser jogador de futebol, salta aos olhos a determinação dos meninos, símbolos de um novo tempo. Nele, a desigualdade econômica a cada dia mais acentuada cristaliza poucos clubes e países como alvo de todos os boleiros da Terra. Assim, a era dos grandes talentos que passavam um pedaço da carreira no Brasil virou arqueologia esportiva.

Na pré-história do jogo, Didi, protagonista do primeiro título canarinho, em 1958, se foi do Botafogo aos 30 anos, rumo ao Real Madrid; em 1983, Zico enviuvou a nação rubro-negra para vestir o alvinegro da Udinese — também com 30 anos. A faixa etária de partida foi encolhendo ao longo das décadas, e só não diminui ainda mais porque a legislação internacional do futebol veda transferências antes de o jogador completar 18 anos. Resulta em transações como as de Paulinho e Vinicius Jr., acertadas antecipadamente e formalizadas com a maioridade.

No abismo — maior do que o Atlântico — entre a Europa e o resto do planeta, não tem escapatória. Para manter Neymar até os 21 anos, o Santos praticamente quebrou. O Vasco, inadimplente até a alma, literalmente botou na conta da despesa o arrecadado com sua maior revelação desde Philippe Coutinho, hoje titular da seleção. E, quanto mais frágil financeiramente o clube, mais barato (e cedo) sairá o talento precoce. “O mercado virou outra coisa”, resumiu Frederico Pena, presidente da TFM, a antiga Traffic. “Os europeus virão mais cedo, garimpar os talentos. E o Brasil ainda é o mercado que tem jogador barato para vender.”

O executivo usa como exemplo o caso de Vinicius Jr., um dos 70 atletas que entregam a administração da carreira à TFM. “Se o Real não comprasse naquele momento, não conseguiria agora pelo mesmo valor”, estimou. E acrescentou que a negociação do rubro-negro não serve de parâmetro, pelo currículo dele. “Ele tem uma condição física e de explosão quase mutante. Desde os 11, 12 anos, foi artilheiro e melhor jogador de 90% das competições”, enumerou, explicando que as características o diferenciaram de todos os outros de sua geração. “O Vinicius está fisicamente pronto.”

Mas, do lado de lá do oceano, por que tanta pressa? A concentração de craques em um reduzido punhado de times produziu dois esportes distintos no mesmo jogo. Esperar o amadurecimento pode fazer o menino cheio de potencial passar do ponto. Questão de intensidade. “O futebol aqui no Brasil é diferente”, apontou Pena. “O risco é um talento como o Vinicius virar um jogador-perdulário”, definiu, referindo-se ao desperdício de oportunidades em campo, fatal nos duelos entre os gigantes da bola.

Na viagem rumo ao topo, há, claro, agendas a cumprir e desafios pessoais e emocionais por superar. A adaptação, muitas vezes, cobra alto — e o egípcio Mohamed Salah, coqueluche da atual temporada europeia, serve de amostra. Formado no Al-Mokawloon, de seu país, transferiu-se para o FC Basel, da Suíça, com 20 anos. Vagou por Chelsea, Fiorentina e Roma, sem sucesso, até explodir no Liverpool, aos tardios 25 anos. “Além do convívio da família, defendo o tripé alimentação-idioma-descanso”, receitou Pena, defendendo a aceitação da comida, o aprendizado da língua nativa e uma rotina quase exclusivamente dedicada ao clube (em especial nos primeiros anos). Se puder levar personal trainer e manter contato estreito com a nutricionista, melhor ainda.

De qualquer jeito, jamais será simples a mudança do ensolarado Brasil, da terra do arroz com feijão, onde se troca abraço e beijo generosamente, pelo inverno longo e de pouca luz em países como Inglaterra e Alemanha. “Nenhum jogador está preparado para isso”, atestou Gustavo Korte, psicólogo e coach do esporte, com mestrado na Universidade de Barcelona e experiências no Palmeiras, na Federação Paulista e com atletas de diversas modalidades. Ele prega uma adaptação cultural e espiritual, com o aprendizado de costumes e até da religião dominante no país. “O suporte social é igualmente importante”, ensinou.

Korte observa que os clubes normalmente se envolvem pouco na adaptação extracampo — preocupam-se apenas com o produto que compraram por uma montanha de dinheiro. E a idade costuma ser um complicador: quanto mais jovem o craque, mais cuidados se impõem. “Quando há uma família estruturada, fica um pouco mais fácil”, alertou. “O menino que vai sozinho sofre muito.”

Mas os parentes podem acabar fazendo parte do problema, não da solução. Neymar perturbou-se, nos primeiros meses em Barcelona, quando a família, especialmente a mãe, teve graves dificuldades para se acostumar à nova vida. O supercraque brasileiro chegou a sofrer lesões, atribuídas internamente ao estresse em casa.

A família não deve, assim, viver em torno de seu jovem protagonista. Precisa também construir uma rotina, para não se converter em fardo.

“Quem puder deve buscar até apoio psicológico. Mesmo com dinheiro e conforto, está longe de ser uma mudança simples”, sublinhou Korte, defendendo a importância do suporte social. “Uma boa maneira de buscar a adequação é pensar como se fosse viver para sempre por lá, procurar criar raízes e novas referências”.

Fonte: Revista época
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