Fernando Diniz revelou, durante participação no 2º Fórum Brasileiro dos Treinadores de Futebol, na terça-feira, que Philippe Coutinho quis parar de jogar. O técnico do Vasco fez críticas à forma como o futebol e, principalmente, os jogadores são tratados no Brasil e disse que o país precisa mais de uma revolução psicossocial do que tática.
— As pessoas me olham como se eu fosse um cara fissurado em parte tática, eu sou fissurado em fazer o melhor para o jogador. Se eu desenvolvo uma coisa na parte tática e as pessoas acham diferente, tenho pouco ouvido para o que está fora e muito ouvido para o que está dentro. Eu desenvolvo uma construção constante, inacabada daquilo que é melhor para os jogadores e com os jogadores. O que eu persigo a vida inteira é mudar a vida de um John Kennedy, de um Rayan e gente desse tipo. Do Coutinho, que também precisa de ajuda, porque tem dinheiro, passou por grandes clubes e disputou a Copa do Mundo, mas queria parar de jogar. Agora não quer mais parar. No fundo todo mundo precisa de ajuda — afirmou o treinador do Vasco no evento organizado pela Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol.
Cria do Vasco, Coutinho foi vendido jovem para o futebol europeu. Passou por Inter de Milão (Itália), Espanyol (Espanha), Liverpool (Inglaterra), Barcelona (Espanha), Bayern de Munique (Alemanha), Aston VIlla (Inglaterra) e Al-Duhail (Catar) antes de voltar ao clube vascaíno no ano passado. Com Diniz, o meia cresceu de rendimento e assumiu protagonismo no time, com cinco assistências e 11 gols em 47 jogos na temporada.
Coutinho e Fernando Diniz se abraçam em jogo do Vasco — Foto: Thiago Ribeiro/AGIF
Leia o depoimento completo de Diniz:
"Acho que o principal problema do Brasil é psicossocial, não tem tanto a ver com futebol. As discussões do futebol não têm a preocupação devida, a gente não se volta para o jogador de futebol. Os treinadores de futebol, antes de tudo, acho que são educadores, independentemente da fase e do time em que você está, se é categoria de base, se é time grande, pequeno... A gente tem o poder de transformar muitas vidas. Eu sou treinador por causa disso, eu não sou treinador principalmente para ganhar título e levantar taça. Isso é uma consequência do trabalho que eu desenvolvo para poder melhorar a vida dos jogadores e das pessoas que assistem.
Comecei a jogar futebol com nove anos, então tenho mais de 40 anos militando no meio do futebol. A minha vida de jogador foi para aprender a ser técnico, não fiz curso, fui aprendendo com os treinadores que eu tive, de alguns copiando alguma coisa, e muitos eu achava que tinha que fazer o contrário daquilo que eu estava vendo. Uma despreocupação muito grande com os jogadores. A gente tem uma preocupação muito grande em ganhar e uma despreocupação grande em servir. Os jogadores estão carentes e sedentos de quem cuide deles. Quase todos eles vem de lares desfavorecidos, vem das favelas, são esses que são os grandes jogadores. E como se tornam grandes jogadores? Muito tempo na rua, sem a intromissão de adulto, aumentando seu repertório motor, sua criatividade e jogando bola o dia inteiro. Se ele está muito tempo na rua, ele está longe da escola e também longe da vigilância dos pais. A gente vai então pegar jogador que precisa de quase tudo, e a gente oferece muito pouco.
Eles chegam com oito, nove, dez anos, passam oito anos sendo cobrados por resultado e, quando tem 19, 20 anos tem que responder a esse massacre que é imprensa, rede social, estádio cheio. Se a gente não mudar esse olhar, a gente vai ficar patinando. Não é copiando a Europa que a gente vai melhorar muita coisa aqui, se a gente não olhar para quem é nosso jogador e para o que é o futebol brasileiro, que são os jogadores. Todos esses craques cresceram jogando futebol livremente e sendo criativos. Temos que aprender a lidar com esse tipo de gente. Não é na Europa que sabem lidar com esse tipo de gente, o jogador que vai lá precisando de ajuda vai e volta rapidinho. A cada Ronaldinho, Ronaldo que vai e fica é um Luiz Henrique, um Kayky, do Fluminense, um Matheus Martins que vai e volta. Quase todos vão lá e voltam. O Rayan, se saísse precocemente, ia bater e voltar. O Antony está tendo dificuldade até hoje. A gente produz muito jogador e temos que aprender a lidar com eles.
Hoje parece pejorativo falar que o treinador era paternal, fazia a função de pai, e a gente faz essa função quase que o tempo todo e às vezes de mãe. Você acaba acolhendo o jogador. Jogador bom é jogador confiante. Craque sem confiança é jogador ruim. As pessoas me olham como se eu fosse um cara fissurado em parte tática, eu sou fissurado em fazer o melhor para o jogador. Se eu desenvolvo uma coisa na parte tática e as pessoas acham diferente, tenho pouco ouvido para o que está fora e muito ouvido para o que está dentro. Eu desenvolvo uma construção constante, inacabada daquilo que é melhor para os jogadores e com os jogadores. O que eu persigo a vida inteira é mudar a vida de um John Kennedy, de um Rayan e gente desse tipo. Do Coutinho, que também precisa de ajuda, porque tem dinheiro, passou por grandes clubes e disputou a Copa do Mundo, mas queria parar de jogar. Agora não quer mais parar. Como foi com o Marcelo, com o Felipe Melo. No fundo todo mundo precisa de ajuda. A gente vive em um meio extremamente violento e castrador.
Todo mundo acha que sabe o que a gente passa e quase ninguém sabe. Ser treinador e ser jogador no Brasil é das coisas mais difíceis, e a gente valoriza pouco. Você fica exposto o tempo todo a ser criticado e só para de ser desqualificado quando ganha alguma coisa. Temos que aprender a discernir aquilo que é bom e aquilo que ganha. Não necessariamente o que ganha é bom. Eu educo meus filhos para eles serem bons e se isso levar ele a ganhar está ótimo. O que eu controlo é isso, a gente fazer o melhor possível, ser ético, trabalhar muito, ter coragem, acreditando que isso levará a gente a uma conquista. A gente fica perseguindo taça e não vai atrás de melhorar o que a gente precisa. Tem muito treinador bom aqui, é injusto você ter uma chancela de estrangeiro e ser tratado de uma maneira melhor, é um completo de colônia o tempo todo. O que vem de fora é bom, o que está aqui é ruim, mas a gente não troca jornalista, a gente não troca dirigente, a gente só troca treinador e jogador. Estamos indo por um caminho errado. A revolução no Brasil é mais psicossocial do que um programa tático, técnico e físico".
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