Reforço do Vasco para a sequência da temporada, Robert Renan chegou ao clube em momento difícil. Na luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro, o Cruz-Maltino convive com problemas na defesa há mais de um ano e o setor defensivo vive sob eterna desconfiança. Mas a pressão não será um problema para Robert Renan.
Nascido e criado em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília e uma das regiões mais violentas do Distrito Federal, Robert Renan cresceu com casos de violência ao seu redor, inclusive perdendo um amigo assassinado por engano, ainda na pré-adolescência, em meio à guerra entre facções. Mas, além do futebol, outra “arma” foi importante para o desenvolvimento do zagueiro: o rap. E não só para ele, como para toda a sua família.
Roberto, pai de Robert Renan, é rapper e, desde a década de 1990, usa a música para empoderar jovens negros da periferia e das cidades-satélites de Brasília. entre eles, o próprio jogador do Vasco. O próprio nome utilizado por Preto Beto, como é conhecido, foi escolhido pensando justamente na mensagem que poderia passar para os jovens.
— Nós passamos por algumas coisas. E criamos mecanismos para nos proteger e proteger ele (Robert Renan), por ser um jovem negro. Por isso eu me chamo Preto Beto. Com meu filho crescendo na periferia, com muitos jovens morrendo, violência lá em cima… Pensei “vou botar Preto Beto e ensinar a ele o que é ser preto nessa situação”. E ele conseguiu — contou Preto Beto à Trivela.
Preto Beto faz parte do “Sobreviventes da Rua”, tradicional grupo de rap formado nos anos 1990 na região de Brasília. Como o próprio nome do grupo da também indica, o cotidiano de jovens negros da periferia era muito abordado nas músicas, com críticas sociais, principalmente à violência.
— Eu tive contato com a música enquanto via muita violência policial. Brasília é uma cidade muito organizada por uma lógica militar. E na periferia sempre tinham aquelas organizações militares que abusavam do poder. A música foi uma forma de recorrer a isso. Comecei a falar na música, com críticas, e o rap me abraçou. O rap é uma expressão popular de jovens de periferia. E aí isso aumentou a minha auto-estima, hoje eu sou formado em psicologia. Ali fui organizando a minha vida — disse o pai de Robert Renan.
Como quase todo menino brasileiro, Robert Renan sempre sonhou com o futuro no futebol. Mas, também como quase todo pai, Preto Beto também sonhava em fazer o filho seguir os seus passos. E o hoje zagueiro teve uma breve “carreira” no rap.
Ainda na infância, Robert Renan fez parte de um grupo organizado pelo pai em uma oficina de hip-hop para crianças. Na época com 9 anos, o hoje zagueiro chegou a subir no palco para cantar a música “Sonho de Criança”, composta por Preto Beto e que falava sobre a importância de proteger os direitos da criança e dos adolescentes.
— Quando o Robert tinha uns 7 anos comecei a levar ele para os lugares, e ele gostava, cantava, falava. E ele se dava bem. Mas o futebol foi o que chamou a atenção mesmo. Todo jogo que ele jogava sempre voltava falando “pai, fulano quer me levar para tal clube”. A gente foi em nove clubes. Dos 11 até os 13, todo jogo do Robert alguém chegava falando que queria levar ele para algum time — relembrou Preto Beto.
Foi aos 13 anos em que Robert Renan começou a sua trajetória em clubes. Depois de muitos testes, inclusive em time como Atlético-MG e Athletico-PR, ele foi chamado para Novos Horizontes, clube de Belo Horizonte que disputava apenas competições de base. Lá, Robert se destacou e foi levado para o Novorizontino, que tinha parceria com o time mineiro.
Em 2019, com 16 anos, Robert Renan chegou na base do Corinthians. A passagem no “Terrão” rendeu uma música de Preto Beto para o filho. Em “Do Terrão pro mundo”, lançada em 2020, o pai relembra a infância difícil do zagueiro do Vasco e projeta o futuro do então garoto.
“Enfrentando o medo, futuro nosso da expansão,
Pra iluminar a rua, a cidade o baile,
Vivendo só por hoje na simplicidade,
Luz própria cria da quebrada, nunca foi fácil a batalha,
(…)
Zagueiro que desequilibra, time do povo
Robert Renan pra cima,Do terrão pro mundo, até aqui Deus abençoou,
Vivendo e aprendendo, quem nasceu pra brilhar chegou”
Por tudo o que viveu, Robert Renan não esquece das suas raízes em Ceilândia. Mesmo quando ainda estava na base da Corinthians, o então garoto já apoiava um projeto social de uma escolinha de futebol que atendia cerca de 100 crianças no bairro em que cresceu, chamado de Expansão O.
Agora com melhores condições e maior projeção, Robert Renan quer contribuir ainda mais com o desenvolvimento social, cultural e esportivo dos jovens da região em que cresceu. Hoje, o zagueiro está perto de concluir o projeto de um instituto que vai levar o seu nome.
— Estamos desenhando, registrando. Já temos as escolinhas que atuam lá com cerca de 300 crianças, que fazem todo um trabalho. A gente monitora e ajuda como pode. Com o instituto, a gente quer fortalecer mais. Em Brasília é necessário. A gente fala “é a capital”, mas temos muita carência na periferia, diferente do plano piloto. Lá acontece o racismo ambiental, desmatamento maior, calor é maior. Dentro da periferia temos coisas que precisam ser discutidas e o instituto é uma possibilidade para essa geração que vem agora ter mais acesso e que a gente possa possibilitar, com a nossa experiência, tanto na arte, como no futebol e conhecimento. Acho que esse é o caminho — finalizou Preto Beto.
Com uma base sólida junto a sua família e consciente do mundo em que vive, Robert Renan agora começa a sua trajetória no Vasco, time da sua família e da infância.